sábado, 24 de março de 2018

O Que Se Passou No Sul de Angola Ao Nascer Do Século XX















O conteúdo do assunto que trago a este Fio, baseia-se em cartas particulares enviadas pelos expedicionários. São muitas e procurei aproveitar a parte descritiva das mesmas.

Na capitania mór do Cuamato soube-se a 16 de Outubro de 1914 que ocorrera um incidente de gravidade na nossa fronteira de INGA. Tinha penetrado em território português uma força militar Alemã.

Essa força acampou a doze quilómetros do forte de Naulila , nos morros do Calueque.

O alferes Manuel sereno, comandante do posto de Otoquero, recebeu ordens para se dirigir com um pelotão de cavalaria e vinte soldados, para ali, afim de investigar o facto e proceder em harmonia com o que viesse a encontrar, para o que levava as respectivas instruções.

O alferes Sereno chegou ao acampamento alemão às quatro horas da tarde do dia 18. A tropa estrangeira, que acabara de cruzar o Cunene, era constituída pelo comandante, dois oficiais, um sargento, doze soldados europeus e vinte indígenas, todos montados. Receberam o alferes Sereno de forma cortês. Este, perguntou ao comandante alemão o que faziam ali, armados.

- « Venho em perseguição de um desertor e além disso pretendo falar com as autoridades do Humbe para conseguir autorização para ir ao Lubango »

O alferes Manuel sereno convida-o, então, bem como aos outros oficiais, a apresentarem-se ao capitão-mor do Cuamato. O oficial português jantou no acampamento alemão, não sem tomar as suas precauções. Combinaram partir no dia seguinte.

Das nossas vinte praças só oito podiam lutar. Durante a noite conversou-se amigàvelmente. Falou-se na guerra europeia. Os alemães estranharam que Portugal enviasse tropas para o sul de Angola numa época imprópria para a ocupação das terras dos Cuanhamas, e que declarasse que, embora aliado de Inglaterra, não queria de forma alguma hostilizar ou atacar as colónias germânicas.

O alferes Sereno replicou que as forças para ali enviadas se destinavam apenas a guardar as fronteiras.

A isto, respondeu um dos alemães, mostrando-lhe O Século de 15 de Agosto, onde foram inseridas declarações de um dos ministros daquele tempo, feitas no Parlamento, comentando que eram bem claras e que as tropas mandadas para o sul de Angola tinham por objectivo cooperar com a Inglaterra contra a Alemanha.

O oficial português ficou abismado. Ele só recebera jornais até 11 de Agosto. Soube-se mais tarde que era o consul alemão no Lubango, G. Schöss, quem remetia todos os jornais portugueses para a Damaralândia, informando os seus compatriotas de quanto precisavam conhecer, por nossa via.

Na manhão do dia 19, às oito horas, marcham para Naulila o comandante alemão, dois tenentes, um soldado europeu e três indígenas, onde chegaram cerca das nove horas.

O alferes Sereno mandou fazer alto, apearem-se, desaparelhar e dar ração aos animais e determinou que se fizesse almoço para todos. Combinou-se que concluida a refeição se dirigiriam para a capitania-mor do Cuamato.

Pouco depois, quando o oficial português se encaminhava para um barracão onde se deveria servir o almoço, a cento e cinquenta passos de onde se achavam as montadas, um cabo preveniu-o de que os alemães arreavam os cavalos à pressa. Não lhe respondeu e aproximou-se dos animais já prontos.

Nesse momento, montam ràpidamente e esporeiam os cavalos. Sereno deitou as mãos às rédeas da montada do comandante, intimando-o a que não persistisse em fugir.

O alemão puxou ràpidamente da carabina, soltou a patilha a apontou-lha ao peito...
................................

...O mesmo cabo 95, preveniu o seu superior deste movimento. Sereno deu a voz de " fogo ! "

Cairam logo dois oficiais, o tenente de infantaria e o veterinário. O comandante ficou ileso, mas um soldado, excelente atirador, varou-o com uma bala a trezentos metros. O projéctil incidiu na sela, pela retaguarda, atravessou uma chapa de ferro, penetrou-lhe por uma nádega e saiu-lhe pelo ventre, dobrado como ia o cavaleiro para apresentar um menor alvo.

O tenente de infantaria morreu instantâneamente: o comandante durou alguns minutos; o veterinário só na madrugada seguinte expirou.

O comandante, oficial muito novo e simpático, narrou ainda uma testemunha presencial, ferido de morte, teve a coragem de inutilizar alguns documentos que trazia na carteira, e cujos fragmentos foram encontrados mais tarde. Na refrega caiu prisioneiro um soldado alemão europeu e evadiram-se três praças indígenas.

Na retaguarda deste pequeno destacamento alemão concentravam-se mais forças com veículos. Vinham, segundo o alferes Sereno, receber os géneros de onze carros boers, aprisionados, por ele, durante os vinte e sete dias em que andou " em diligências " pela fronteira alemã.

Quem primeiro rompeu as hostilidades ?

Que aconteceu ao certo no Cuangar ?


Contava-se que após alguns dias de declarada a guerra na Europa, o comandante das tropas alemãs na fronteira visitara o comandante do forte do Cuangar, tenente Durão, comunicando-lhe que se iniciara a Campanha e que era natural que os portugueses, como antigos aliados de Inglaterra, combatessem ao lado desta.

Sendo assim, ele, oficial alemão, estaria no seu posto. O tenente Durão respondeu-lhe que, como oficial português, no seu posto estaria. Dizia-se que ambos eram amigos pessoais.

O tenente Durão tomou logo as medidas necessárias no sentido de evitar qualquer agressão, de surpresa.

Decorrido algum tempo o tenente Durão enviou uma nota ao Governador relatando-lhe que o oficial germânico voltara para o seu posto e lhe participara que Portugal se declarara neutro e que portanto ale iria ali para que se bebesse pela amizade da Alemanha e Portugal. Com isto, as precauções militares finalizavam.

Agora vejamos o que narrou um cabo europeu, natural do Minho, da 15ª companhia indígena;

« Na noite de 31 de Outubro, cerca das 03H00, quando tudo dormia, ouviram-se tiros disparados pelos sentinelas portugueses. As praças levantaram-se desarmadas, pois as espingardas e as munições estavam fechadas na arrecadação do forte. Correram nessa direcção.
Viram, então, pasmados, a bandeira alemã desfraldada no mastro e as peças e as metralhadoras dos assaltantes apontadas para a guarnição, metralhando-a. »

Segundo todas as probabilidades morreram, em resultado do insólito ataque, o comandante do posto, tenente Fonseca Durão, o comandante da 15ª companhia indígena, tenente Henrique Machado, o primeiro sargento Cabral, dezassete soldados indígenas, o negociante português e europeu, Nogueira Machado, a sua mulher e uma filha de três meses.

Cem praças indígenas e quinze europeias, não vendo forma de resistir, internaram-se no mato.

O cabo minhoto andou sózinho durante quatro dias. Só ao quinto dia topou com quatro segundos sargentos que também tinham conseguido escapar. Alguns dos portugueses só levavam ceroulas e iam descalços, tão brusco e inesperado fôra o ataque.

Assim andaram durante quinze dias pelas selvas sustentando-se de fruta brava, até que conseguiram chegar ao forte Calundo...
.....................

...Vejamos agora o que deixou escrito de forma brilhante quem assistiu à sangrenta conjuntura de Naulila, o intrépido alferes João Guilherme de Menezes Ferreira.

« A 5 de Dezembro de 1914, pelas duas da madrugada, marcham do reducto de Moçambique uma bateria de metralhadoras, uma secção de peças Ehrardt e o resto do Esquadrão de Dragões em direcção a Naulila, a oitenta quilómetros do Humbe, afim de se juntarem às forças que nessa fortaleza constituem o núcleo de defesa de Naulila, na região da Inga, fronteiriça dos territórios alemães da Damara ( Unda e Ganguelas ), de modo a formar um destacamento relativamente forte, como os que estavam sendo organizados sucessivamente em todos os pontos de acesso provável do extremo sul de Angola: destacamento do Dongoena, do Cuamato, da Ediva e do Pocólo.

O destacamento de Naulila, com a chegada das unidades atrás referidas, conta as seguintes forças:

- Uma bateria Ehrardt com três peças, comandada pelo capitão Reis

- Uma bateria de quatro metralhadoras

- Um Esquadrão de Dragões com cem cavalos

- A 9ª Companhia de Infantaria 14 com duzentos e cinquenta homens

- Uma Companhia Indígena com cento e cinquenta landins.

No dia 9 recebem-se comunicações oficiais, informando que numerosas tropas alemãs, sob o comando superior do major Frank, se concentram nos territórios dos Cuambes, esperando que chovesse afim de poderem atacar os portugueses no posto de Naulila.

Como medida preventiva, um pelotão de cavalaria posta-se nos morros do Calueque, situados a quatorze quilómetros do forte.

Ponto elevado, serve perfeitamente para observação e atalaia e ajuda como núcleo de primeira resistência, caso o ataque dos alemães se pronuncie pelo lado do Cunene, que desliza por baixo dos morros e onde há um vau importante, designado pelo mesmo nome dos morros. Todos pressentiam que qualquer acontecimento importante se realizaria breve.

No dia 10 chega o tenente-coronel Roçadas com o chefe de estado-maior, idos do Cuamato. São portadores de noticias importantes. Dois lengas, chefes de guerra, enviados pelo soba Cuambe, sempre amigo dos portugueses e odiando o malúlú , termo pelo qual o indígena denomina o alemão, oferecem ao Cambuta , nome cafreal de Roçadas, os seus serviços, e informam que o major Frank atacará dentro de uma semana o acampamento português.

Acrescentam que o inimigo dispõe de numerosa artilharia e metralhadoras e que todas as suas forças vêm a cavalo.

Espalha-se por essa ocasião que o soba do Cuanhama manifestara desejos de que aceitássemos o auxilio de cinco mil guerreiros seus, afim de nos coadjuvar nas hostilidades contra os alemães. Mais corre que não foi aceite a oferta por estar nas instrucções do comandante da expedição a ocupação desse território.

Alves Roçadas não podia seguir outra linha de conducta. No entanto, remete-lhe de presente uma carreta boer carregada de géneros, bem como brinda o soba do Cuambi com três armas de guerra. »...

..................
...« No dia 11 o capitão Reis trata, em Ordem de Operações, da defesa de Naulila, e toma providências para qualquer caso de alarde. As forças distribuem-se pelos diferentes pontos com probabilidades de serem atacados.

No dia 12, a oficialidade está mais descansada. O capitão Reis prepara-se para repousar um pouco, porque desde que as forças expedicionárias chegam ali, o trabalho é incessante.

O receio de uma investida de surpresa preocupa todos.

É meio dia e meia hora. De súbito irrompe pela secretaria do Destacamento, o tenente Aragão, muito pálido, mas sereno. Perfila-se, faz a continência, dirige-se ao oficial presente, e diz:

- Meu capitão, acaba de chegar uma ordenança de Cavalaria dos morros, participando que o pelotão que ali se encontra está sendo atacado por patrulhas alemãs, a cavalo. V. Ex.ª dá licença que eu saia já com o Esquadrão ?

Esse oficial abraça-se ao tenente de cavalaria e exclama:

- Até que enfim !

O capitão Reis levanta-se ràpidamente e murmura.

- Ah ! Eles estão aí ? Vamos liquidar tudo.

Ouve-se, em seguida, três toques muito agudos, quase aflitivos. É o toque de alarde. Em quatro minutos tudo se encontra debaixo de armas e nas posições de combate. Decorridos cinco minutos sai o Esquadrão como se fosse para uma parada militar, levando à sua frente o tenente Aragão, juvenil, esbelto, com o " ar heróico do cavaleiro Parsifal ".

Então a ordenança que trouxera a participação informa mais pormenorizadamente.

O pelotão de Cavalaria postado nos morros, espalha-se em patrulhas de três homens. Andam em serviço de exploração quando duas destas avistam uns trinta alemães, que pretendem dar de beber ao gado no Cunene. Os nossos rompem logo fogo e retiram sobre os morros perseguidos pelos contrários. O alferes Heitor reúne todas as patrulhas e comunica o acontecido para Naulila.

Nova ordenança vem anunciar que o pelotão Português está sendo acometido por uma força de sessenta cavaleiros alemães e que a fuzilaria retumbe encarniçada nas margens do Cunene. O inimigo fere e aprisiona-nos dois soldados.

Em consequência destes factos, o comandante expede uma ordem ao Major Salgado, que se encontra do outro lado do rio, no cruzamento da estrada que liga Naulila com o forte da Dongoena, a vinte quilómetros, afim de marchar com a sua força, menos uma companhia, a 12ª de Infantaria 14, para o vau do Calueque, com o objectivo de impedir a passagem das forças alemãs.

« Convém explicar o seguinte », escreve o brilhante autor desta narrativa:

« Os escaços três mil homens da expedição europeia, disseminam-se pela comprida linha da nossa fronteira. Assim, a vinte quilómetros de Naulila acampa a força do Major Salgado, com duas Companhias de Infantaria 14, quinhentos homens e duas peças Canet. D'ali a dias devem juntar-se-lhe outras duas peças e o Esquadrão de Cavalaria 9 com duzentos cavalos, o que não se efectua. Esta dispersão de forças necessárias para ocupar toda a linha da fronteira com um efectivo reduzido, obriga os Destacamentos a permanecerem muito afastados uns dos outros e põem-nos em risco de, sendo um deles atacado por forças superiores, experimentar um inevitável desastre

Estando essas forças a quinhentos quilómetros do Lubango, centro dos nossos abastecimentos, é mais dificil e sobretudo mais complicado o serviço de abastecimentos das tropas distribuidas por tão ampla área do que para um ponto só, como de princípio se começara a organizar, devendo todas as forças concentrarem-se no forte do Cuanhama e todos os víveres serem dirigidos para esse ponto»...
................

...« Quis o destino que todo esse trabalho se tornasse inútil, pois sendo o objectivo dos expedicionários a ocupação do Quanhama, tiveram que desfazer todos os trabalhos até ali organizados, para, com as suas diminutas forças e fracos elementos, se defrontarem com os alemães, que em 25 de Novembro começam a penetrar no nosso território e a concentrarem-se no Caludi e nos Ganguelas.

As forças germânicas na Damaralândia, em pé de guerra, podiam elevar-se a vinte mil homens bem armados e municiados.

Mesmo que distribuissem forças para o Sul, para a fronteira da União, para deter a marcha dos ingleses, fácil lhes foi, como o fizeram, enviar contra nós uma coluna de seis mil homens, o dobro do efectivo dos portugueses.

Além disso, pelas informações colhidas, averiguou-se que há mais de dois anos os alemães trabalhavam em Moçâmedes, no Lubango e em todos os centros do planalto da Huila, para nos hostilizar. Havia muita gente ao serviço da Alemanha para que mais tarde ou mais cedo saísse das nossas mãos esse " pomo de ouro abandonado ", como os alemães se exprimiam ao referirem-se aquela ubérrima e saudável região. Girava dinheiro a rôdo que corrompia bastantes moradores d'essa região, desde o mais infimo dos indígenas até alguns brancos, que por vergonha falam a nossa lingua.

Assegura-se que o Cônsul alemão no Lubango chegou a obter de um empregado ou sargento, do arquivo da secretaria do governo, uma carta e vários documentos importantes. E a acreditar nos boatos que então corriam, não parava por aqui a sua " curiosidade ". »


Todos presumiram, e com razão, que dado o incidente atrás descrito com o alferes Manuel Sereno, os alemães não se conservariam de braços cruzados.

O comando superior sentia a necessidade de enviar sem demora mais forças para a fronteira, mas...infantaria 14, as metralhadoras e as peças Canet ainda não tinham recebido munições suficientes, o Esquadrão de Dragões não possuia material de bivaque, tal como cozinhas, latas, barracas, etc., nem de guerra, como carabinas, espadas e lanças. Mais, faltavam os géneros que estavam em Moçâmedes.

Desta forma, levando os carros boers a pôr os abastecimentos de Vila Arriaga, estação terminus do Caminho de Ferro de Moçâmedes ao Lubango, dez ou doze dias, não havia tempo de se preparar tudo para que uma coluna forte e bem organizada em todos os serviços pudesse seguir para o Cunene.

Nessas condições, os expedicionários estacionaram no Lubango até fins de Outubro, à espera de víveres e munições em quantidade para empreenderem a marcha...
.....................
..Na manhã de 13 de Dezembro parte para os morros um pelotão de Infantaria 14, sob o comando do alferes Figueiredo. O tiroteio recomeçou

Na véspera, quando o tenente Francisco Aragão chegara ao Calueque e depois da troca de alguns tiros, participam-lhe que ouviram gemidos lancinantes ao longe, gritos de feridos que tinham durado toda a noite e ainda até às onze da manhã do dia seguinte.

Esses queixumes, vindos da margem direita do Cunene, só podiam ser oriundos de soldados nossos. Todos os oficiais do Esquadrão se ofereceram para os ir buscar. Era noite. O tenente Aragão não consentiu na realização dessa generosa oferta e, explicou o porquê:

- « Se os alemães abandonam os primeiros feridos em vez de os levarem para os submeterem a interrogatório é porque pensam fazer-nos uma cilada. Colocaram os feridos naquele local como chamariz. Nós acudimos-lhes, caem-nos encima e aprisionam uma porção dos nossos, descuidados »

Esperam pela manhã. O tenente Aragão divide o Esquadrão em três pelotões e manda apagar todas as luzes. Sobre a madrugada, o pelotão do tenente Matias carrega sobre os alemães, ocultos no caniçado do rio.

O outro pelotão procura e levanta os feridos.

Um sargento dos Dragões aprisiona um alemão e parte um braço a um sargento inimigo, comandante de uma patrulha. Os nossos feridos viriam a contar depois que lhes tinha tirado os arreios e munições, colocando-os no caniçal a servirem de isco à cavalaria portuguesa.

Em 13 de Dezembro apenas se trocaram uns tiros de parte a parte. A 14 desapareceram os alemães. Os portugueses que já tinham iniciado os trabalhos de defesa de Naulila, continuaram no prosseguimento das suas tarefas ainda com mais rapidez.

Alves Roçadas chama mais uma Companhia de Infantaria, ascendendo assim as forças a setecentos homens de infantaria, três peças de artilharoia e metralhadoras e oitenta cavalos.

Interrogado o prisioneiro alemão, soube-se que o major Frank, sem autorização do seu governo, deleberara atacar o nosso acampamento, vingar a morte dos seus camaradas, prender o alferes Sereno e arrazar Naulila. O efectivo de que dispunha orçava por dois mil alemães, oito peças de artilharia e quinze metralhadoras.

No dia 15 houve um falso alarme. À tarde ocuparam-se as posições de combate, então a um quilómetro de Naulila, numa extenção de três quilómetros. Desde esse dia que se passou a esperar pelo ataque. Alves Roçadas veste o seu uniforme de kaki amarelo, o mesmo da Campanha do Cuamato em 1907, e que só envergava nas ocasiões em que se pressentia combate. Os postos avançados são constituidos por Cuamatos, armados pelos portugueses. Depois, verificar-se-ia que se tinham escapulido com os alemães.

Às quatro da tarde do dia 17, os nossos observadores avisaram de que se aproximava uma força germânica de trinta cavalos. Houve novo alarde no acampamento. Guarneceram-se todas as posições.

Às cinco horas, da tarde, chegava o alferes Andrade de Artilharia, vindo dos morros com as últimas informações acerca dos alemães, colhidas por enviados de confiança que entraram disfarçados no acampamento inimigo.

Essas informações condiziam com as informações fornecidas pelo prisioneiro das forças contrárias. Os víveres foram transportados em galeras puxadas por seis parelhas de mulas; o major Frank viria de automóvel e falava-se, ainda, num aparelho de telegrafia sem fio e em dois aeroplanos...

....

...Prepara-se tudo para ser atacado na madrugada seguinte. Nessa noite enviou-se aos morros, ao vau do Calueque, onde se achava a força do major Salgado com duzentos homens de infantaria e duas peças de artilharia e o tenete Aragão com os Dragões, ordem para atacar o acampamento alemão pela madrugada.

É altura para falar, aqui, num norueguês Brot Kurp, um traidor em quem se confiou em demasia. Incumbido de explorar o mato do lado dos alemães, voltou às quatro da manhã do dia 18, muito afadigado dizendo que andara de noite e se perdera, não tendo visto um único soldado germânico. A partir dessa altura não mais apareceria.

Perto das cinco horas da madrugada, houve-se ao longe o rodar rápido das viaturas de artilharia. Roçadas monta a cavalo. Às cinco e um quarto, retumbou o primeiro tiro e uma granada de artilharia passou por cima do Estado-Maior. Ouviu-se intensa fuzilaria no nosso flanco esquerdo, exactamente na parte mais fraca.

Foi desse lado que começou um ataque violentíssimo da artilharia e metralhadoras por parte dos alemães. Foi exactamente o contrário do que informara o norueguês. O Chefe do Estado-Maior ordenou que o flanco direito português avançasse de forma a atacar os alemães pelo flanco e retaguarda. Roçadas tirou os Pelotões do flanco direito e com eles dirigiu-se para o local mais ameaçado pois ali só se encontravam sessenta homens. Este rasgo de intrepidez ficou prejudicado, porque um dos Pelotões fraquejou.

O fogo de artilharia alemã era muito intenso, as metralhadoras faziam tais estragos nas nossas fileiras, que algumas praças indígenas retiram antes de chegarem às trincheiras. Por outro lado, o inimigo, vendo esboçada a nossa primeira investida pelo flanco e retaguarda, estendeu a sua linha e colocou a artilharia de forma a bater todas as posições dos portugueses. Ao fim de uma hora de bombardeamento o forte de Naulila estava arrazado e em chamas.

Os alemães crivaram o local onde se encontrava o estado-Maior de balas e de granadas. Os projécteis assobiavam em todos os sentidos. Soldados e oficiais caíam por todos os lados. as nossas metralhadoras tinham as suas munições quase esgotadas. as mulas espantadas fugiam em várias direcções. Naquele momento, uma metralhadora encravou-se; a guarnição tirou-lhe as peças principais e abandonou-a. Os alemães, desesperados com a mortandade produzida nas suas fileiras por aquelas armas, envidavam todos os esforços para as inutilizar. Um Pelotão de landins fugiu, mas nessa altura os alemães recuaram.

Os oficiais e soldados das nossas metralhadoras portaram-se com extraordinária bravura. Operaram verdadeiros milagres para não as deixarem cair nas mãos dos alemães. Uns e outros carregaram com cunhetes, pucharam-nas a braço e conseguiram trazê-las para a retaguarda, para trás de uma elevação de terreno.

Neste preciso momento delibera-se fazer um contra-ataque...
...Alves Roçadas mandou avançar para serem reconquistadas as nossas posições. De facto, estando já os alemães a cinquenta metros das trincheiras, pronunciou-se da nossa parte uma vigorosa ofensiva à arma branca, gritando todos cheios de entusiasmo ao verem os adversários retirarem. Não tardou, porém, um quarto de hora em que as metralhadoras e os canhões alemães, que se tinham calado, iniciassem de novo um fogo mortífero sobre os portugueses. Cuidando de uma das nossas peças só estava um cabo e o tenente Lobo.

O capitão Patacho e o alferes Menezes agarraram nos cunhetes e, apesar do seu enorme peso, puseram-os a salvo. A partir de agora a retirada tornou-se imperiosa. Roçadas tentou um último esforço, com o pelotão que ficou dentro do forte, com dois, reduzidos, de infantaria 14 e um de landins, este comandado pelo tenente Stokler.

Apesar da convicção de que seriam todos mortos ou aprisionados, mandou colocar uma peça de artilharia junto do forno onde se cosia o pão. Com esses cento e cinquenta homens, não mais, brancos e indígenas, arremessaram-se numa furia louca para a frente.

O triunfo não quis coroar esta última tentativa. A cavalaria germânica apareceu no flanco direito a cinquenta metros.

Iniciou-se o movimento de recuo. Atravessou-se o rio na melhor ordem, apesar do violento fogo dos adversários. É a única peça do tenente Lobo que protegeu a arriscada manobra e deteve a cavalaria disposta a carregar.

Houve desfalecimentos no renhido combate, mas em número tão pequeno e em casos tão isolados, que de pronto foram resgatados por brilhantes rasgos de heroísmo.

Os nomes do tenente Bettencourt de artilharia, ferido num braço e numa perna e que continuou a combater; a morte intrépida dos capitães Homem Ribeiro e Albano de Melo; o valor demonstrado pelos capitães Cunha e Patacho, alferes Menezes Ferreira, alferes Figueiredo do 14, chefe do Estado Maior capitão Maia Magalhães; a serenidade do capitão de artilharia Esteves; a fria coragem de Alves Roçadas; o admirável comportamento do Esquadrão de Dragões comandados pelo tenente Cunha Aragão e os alferes Alves e Andrade, o primeiro morto e os segundos feridos, para além de muitos outros, ficarão gravados para sempre nas páginas mais fulgurantes da história do Exército Português.

Vejamos, agora, como alguns oficiais narraram o episódio da carga dos Dragões, que só por si representa uma sublime manifestação do valor Lusitano.

« O tenente Francisco da Cunha Aragão ( Alves Roçadas, ao que tudo indica, tencionava propor a sua promoção a capitão POR DISTINÇÃO ) planeou apossar-se da artilharia alemã. Para o conseguir executou ousadas evoluções e chegou de uma vez a acometer as tropas germânicas pela retaguarda. Numa das investidas, soltas as rédeas, os Dragões cravaram as esporas nas ilhargas das montadas e por entre o vibrar metálico dos clarins e a gritaria rouquejante dos soldados, correram a toda a velocidade, envoltos em nuvens de poeiras, de estandarte desfraldado ao vento e de lança em riste.

Os alemães, espantados com tanta audácia, esporeiam os cavalos e preparavam-se para deterem a temerária investida unindo e reforçando as fileiras. A Infantaria inimiga formou um quadrado, protegida pela cavalaria, mas os nossos Dragões nem hesitaram.

Negros, queimados pelo sol tropical, cobertos de suor e de pó, espicaçaram doidamente os cavalos, que galopavam desesperados e doridos.

O espaço que separava as duas forças, desaparece.

O primeiro choque foi FORMIDÁVEL, IRRESISTIVEL. Semeou a morte e o exterminio. Nada lhe resistiu. O quadrado alemão foi rôto em vários pontos. Rolaram no chão, varados pelas lanças dos nossos, vários peões e cavaleiros contrários. As linhas germânicas foram, por momentos, desbaratadas. A superioridade do número de efectivos, permitiu-lhes reconstitui-las, não sem sérias dificuldades. No entanto a morte ceifou alguns dos nossos.

Bastantes foram os que cairam para não mais se erguerem, tendo na sua queda a acompanhá-los apenas o rápido olhar de despedida do seu camarada mais próximo, a quem a morte do companheiro novos alentos deu para a luta. O tenente Aragão, comandante desses bravos, tombou mortalmente ferido.

Ao resvalar da sela teve ainda para os soldados as seguintes palavras:

- " Para a frente, rapazes ! Não desanimem. Combatam e cumpram o seu dever, que eu já cumpri o meu."

E, abandonando as rédeas, caiu inanimado.

Para terminar:
Um simples Dragão perdeu o cavalo. Combateu algum tempo a pé. Quando a retirada se tornou inevitável, um camarada ofereceu-lhe a montada e convidou-o a segui-lo. Ele, teimosamente, heróicamente, recusou e exclamou:
- " Quero morrer onde me mataram o cavalo "
E lá ficou »
HOMERO NÃO ESMALTOU OS CANTOS DA ILIADA COM MAIS ASSOMBROSOS CARACTERES.

_________________
UM GRANDE ABRAÇO A TODOS VOCÊS

JORGE DEYLLOT
in MAZUNGUE

---




VER TB INFORMAÇÔES DETALHADAS IN O PORTAL DA HISTORIA

Sem comentários: