quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Baía dos Tigres, Moçâmedes, Angola: Morte nas Dunas




A Igreja servia de hangar ao próprio avião, para protecção contra as areias trazidas pelo vento forte de sudoeste (a garôa), que tudo cobria à sua passagem. Desde 1951, que a Baía dos Tigres,  a Aldeia do Leão, passou a ser conhecida pela povoação de S. Martinho dos Tigres ou Vila de S. Martinho dos Tigres.

O avião junto do Destilador de água salgada. Nos dias de ventos fortes (garôa) era impossível a avionete descolar...

 


O piloto Carlos Teixeira que morreu no fatídico desastre

 

Morreram no brutal acidente, o piloto, a cinco esdudantes,  e o  Delegado de Saúde de Porto Alexandre.

Depois de quase um século percorrido por arrastadas lutas e privações de toda a ordem, as gentes da Baía dos Tigres, em finais dos anos 1940, inícios de 1950, em matéria de transportes, passaram a ser servidas, duas vezes por semana, por uma avionete que de início era a do Aero Clube de Moçâmedes. 
 
(1)   Mais tarde as deslocações  aéreas passaram a fazer-se através dos monomotores “Bonanza”, da empresa de Táxis Aéreos do Sul de Angola, com sede em Moçâmedes. (2)  As carreiras eram efectuadas bi-semanalmente, à terças e sextas-feiras, e assim vinha acontecendo desde essa altura até que no ano de 1967, no dia 17 de Junho,  numa malograda sexta-feira o “Bonanza” que fazia, como sempre, a sua viagem habitual,  descolando pelas nove e meia da manhã e aterrando uma hora depois na Baía dos Tigres, após escala Porto Alexandre para levar um importante passageiro, o Delegado de Saúde que ali ia dar consulta, dessa vez não aterrou…   Nos Tigres, a ansiedade e o pânico tomaram conta da estrita população. As horas foram passando, o “Bonanza” não aparecia. Naquele avião vinham a bordo quatro jovens estudantes, na flor da vida, que vinham passar as férias escolares junto de seus pais e amigos que ali, ansiosamente as aguardavam. Receava-se o pior. Quando a noite chegou, consumidas estavam já todas as esperanças de um reencontro. Algo de pior teria acontecido!

Nesse dia também as gentes dos Tigres não receberam  as encomendas essenciais  a quem vive isolado nem os jornais, nem a correspondência, as noticias que lhes iam dando forças para ali se manterem na  luta sem tréguas pelo pão de cada dia, contra os  elementos  da natureza, em isolamento quase total, apenas estimulados pela fartura piscícola daquele pródigo mar.
Estava-se em plena época de cacimbo, que de Maio a Setembro assola as regiões do Sul de nevoeiro cerrado. O “tecto” baixo levava a que toda e qualquer perfuração efectuada pelo “Bonança”, muito junto à terra,  constituísse um perigo. As pistas eram improvisadas como eram  praticamente nos vôos locais em Angola,  não havia equipamentos que facilitassem a aproximação a terra em dias de fraca visibilidade, sequer os aviões possuíam a aparelhagem sofisticada dos nossos dias. Tudo dependia do piloto, do seu conhecimento do terreno,  da sua perícia, da sua competência profissional. Restava a esperança que o avião se tivesse  dirigido para a foz do Cunene,  a 55 km distância, para ali aterrar em segurança. Ou então que tivesse aterrado  numa das planuras da zona semi-desertica. A verdade é  que o "Bonança" estava desaparecido. Nada se sabia bem dele, nem das seis pessoas que vinham a bordo. 

 Na manhã seguinte a Imprensa e a Rádio deram grande relevo ao acontecimento. O constrangimento e comoção eram gerais. Os habitantes dos Tigres eram uma verdadeira família que repartia entre si alegrias e tristezas.  O sentimento de solidariedade não se fez esperar. Por toda a parte a vontade de congregar esforços na busca do “Bonança”. O Governo Geral de Angola, o Comando Naval, a Força Aérea, a Organização Provincial de Voluntários, e muitos particulares, todos se encontravam vivamente  empenhados nas buscas, através de um sistema organizado e controlado por sistema de comunicação a nível distrital,  centralizado numa das salas do Rádio Clube de Moçâmedes.  Um avião da Força Aérea devidamente equipado para missões do género, ao qual se juntaram dois aviões do Estado pertencentes aos governos de Moçâmedes e da Huila, e ainda dois particulares, avançaram nas buscas no deserto, enquanto traineiras batiam a costa desde a Ponta Albina à zona dos Riscos, a norte da Grande Restinga, e também várias viaturas partiram tentando vencer as areias do deserto,  algumas das quais tiveram que ser mais tarde socorridas.


Pilotos, estudantes e médico, as seis vitimas da queda do "Bonanza"



Recorte de jornal sobre o desastre sobre a queda da avionete "Bonança"


O nevoeiro intenso sempre dificultava  as buscas de quem teimava em se manter naquele deserto temeroso, que ninguém podia de ânimo leve pensar vencer,  até porque os rodados da ida logo se apagavam quando do regresso. Na Baía dos Tigres nada havia, não havia mecânicos, não havia peças sobressalentes,  gasolina, sombra, água, alimentos. Terra do nada como diziam os Hotentotes, onde tudo podia acontecer aos incautos, incluso mordedura de escorpiões venenosos.  As irregularidades do terreno, as tempestades de areia  que fustigam o rosto, e ferem o olhar, o vento Leste, as temperaturas difíceis de suportar,  modificam a paisagem e não permitem o caminhar de pessoas e viaturas, tornado a missão impossível  até ao guia mais experiente. As grandes diferenças térmicas dia/noite, durante o dia temperaturas escaldantes pela noite, abaixo de zero.

Jose Venâncio Delgado Jr. foi um dos alexandrenses que colaboraram nas buscas


O "Bonança" tinha que aparecer! Foi então que na tardinha do dia seguinte, os tripulantes de uma traineira que  participava nas buscas, vislumbraram ao longe um brilho de metal, na Zona de Riscos, na encosta de uma duna de grande altura. Dado o alarme os aviões facilmente localizaram o “Bonança”, cujas asas e cauda se encontravam intactas, porém  com a carlinga e os seis tripulantes completamente carbonizados. Os depósitos de combustível copulados à cabine e não nas asas, não permitiu quaisquer possibilidades de salvação. Ali encontraram a morte o piloto Carlos Alberto Teixeira, aos 28 anos de idade, o médico e delegado de saúde de Porto Alexandre, José Marques dos Carvalhos,  aos 31 anos,  e as jovens estudantes Carla Maria Marreiros Martins, Teresa Margarido, Conceição Maria Gonçalves de Carvalho, e Laurinda dos Santos Nascimento, de 14,16, 12 e 14 anos,  respectivamente.  Pensa-se que o piloto tentara a perfuração de norte para sul à entrada  da Baía que tem 11 milhas de largura, e que fez um desvio ligeiro lateral que o levaria a bater na encosta de uma das dunas sobranceira ao mar,  que naquele local atinge 180 metros de altura. O piloto Teixeira era muito estimado pela gentes dos Tigres.  Era ele que lhes fazia chegar médico e o  padre, tão necessários à manutenção da saúde e  ao conforto espiritual de que a população carecia. Também o medicamento, e algum alimento a complementar o que vinha juntamente com a água, em navios destinados a tal, era ele que lhes levava, todos os artigos indispensáveis vida, os jornais a correspondência para poderem estar a par de notícias sobre o que ia acontecendo longe dali,  etc. etc.
O médico José Marques era também muito estimado pelos cuidados de saúde que dispensava à população.

O desespero das famílias foi tal que o pai de Teresa Margarido, tresloucado pelo sofrimento, partiu para o Deserto, a pé, munido de um garrafão de água, em busca da sua menina. Era a única pessoa de família que ele tinha por companhia nas quatro paredes do lar, naquela aldeia onde a solidão era esmagadora . Teresa era a luz de seus olhos, era o ser que restava de um casamento menos feliz. Oito angolanos pertencentes ao pessoal da traineira fizeram questão de o acompanhar. Caminharam pelo Deserto fora durante 36 horas, na busca do “Bonança”, até que perdidos e dispersos entre altas e escaldantes dunas, com os pés em sangue, e já sem água nem alimentos, foram localizados pelo avião militar que  lhes lançou uma mensagem comunicando que os tinham localizado, em cima da zona de Riscos, na direcção do farol da Ilha dos Tigres, e que iam avisar “jeeps” de Porto Alexandre para os ir buscar. Pediram-lhes ainda que se aproximassem mais da praia, da qual se encontravam afastados. Hilário Margarido já não teve forças para sair do local onde tombou, já entre a vida e a morte. Foi recolhido por uma equipa de jornalismo da revista Noticia de Luanda, que cobriu a reportagem no Deserto, sendo os restantes companheiros recolhidos por outras viaturas, excepto dois deles que caminharam na direcção do farol da  Ponta Albina.

Ai de quem ousasse transpôr as areias deste Deserto, a região mais inóspita do mundo. Acabavam por morrer de sede, fome, cansaço, para festim dos abutres que, suspensos no ar, com suas asas abertas e o bico adunco, aguardavam pacientemente o último suspiro da vítima. Ninguém que se aventurasse mais a sul, na direcção da Costa dos Esqueletos, conseguia escapar.

Não tenho muito a avançar sobre a Empresa de avionetes que disponibilizou o malfadado "Bonança", que acabou no dia 17 de Junho de 1967, de maneira tão trágica. Tenho informações que gostaria de ver confirmadas de que pertencia a Fernando Rodrigues Ferreira,  pessoa de iniciativa e valor, estimada em Moçâmedes, que tinha como sócio  um Sr. de nome  Martins, creio que era mecânico de aviação. Fernando Rodrigues Ferreira tinha começado como camionista e trabalhava para Maurício Brazão que tinha uma loja junto da Praça de Táxis, a Praça Gomes Leal, em local próximo da Farmácia Moderna e da Drogaria de Augusto Lopes Rosa. Depois de ter adquirido o brevet ambos  entusiasmaram-se, resolveram trabalhar de conta própria, criaram a sua empresa, que segundo informações se desenvolveu e expandiu para Luanda, introduzindo a aviação particular  regional em Angola, o que muito ajudou, pela fluidez das ligações, a aproximação  entre os povos, e o desenvolvimento das regiões de  difícil acesso. 






Naquele Deserto inóspito, isolados da civilização, era a fé que lhes dava ânimo, força e conformação às gentes da Baía dos Tigres. A fé era o lenitivo que as ajudava a vencer a dureza da vida...



Ficam estas tristes recordações.

MariaNJardim

  
 Para saber mais sobre a Baia dos Tigres, visite outras páginas deste blog:
1. A origem do nome: http://mossamedes-do-antigamente.blogspot.pt/2014/09/baia-dos-tigres-origem-do-nome.html

Baía dos Tigres e a origem do nome

HIENA CASTANHA encontradas em todo o sul da África, e particularmente em Angola, Namíbia, África do Sul, Botswana, Lesotho, Moçambique, Malawi, Suazilândia e Zimbabwe. 

DUNAS DOS TIGRES


DUNAS DOS TIGRES



Três versões existem  sobre a origem do nome da “Baia dos Tigres”. Uma delas está relacionada com a coloração "tigrada" que as altas dunas do lado continental da baía apresentam quando vistas à distância, a partir do mar. É a versão defendida por André Guilcher, Carlos Alberto Medeiros, José Esteves de Matos e José Tomás de Oliveira, em “Les Restingas (Flèches Littorales) d’Angola, spécialement Celles du Sud et du Centre” Finisterra, vol. IX, nº 18, Lisboa 1976, pp. 171-211.  Segundo os defensores desta versão, a areia das dunas que são geralmente claras, possui minerais pesados em abundância  --granada, a, magnetite, ilmenite, zircão, anfibólio, turmalina verde—metais que o vento concentra em grandes faixas nas partes baixas das mesmas dunas, e que vistas do mar, ao ganharem o aspecto riscado avermelhado, fazem lembrar a pele de tigres. Como se sabe, na Baía dos Tigres não há tigres.

A 2ª  versão é a de que o nome Baía dos Tigres está relacionado com o ruido causado pela fricção que o vento sul exerce quando sopra com violência sobre a areia no alto das dunas, ruido que fez levantar a crença de que ali houvesse tigres. Esta versão é defendida por J.Pereira do Nascimento no seu livro Exploração Geográphica e Mineralogica no Districto de Mossâmedes em 1894-1895.

A 2ª versão deve-se a notícias da existência na Baía dos Tigres  de cães de grande porte que faziam lembrar tigres, quando lá chegaram os primeiros portugueses. Henrique Abranches escrevia no seu livro Senhores do Areal, sobre esses cães em relação aos quais se contavam versões diversas, uma delas referia  que no século XVIII um navio não identificado tinha naufragado ao largo dos Tigres, e os cães que vinham a bordo, únicos sobreviventes, nadaram rumo à  costa, fixando-se naquela região desértica paupérrima e, sem água, tiveram que se adaptar comendo o peixe morto que vinha dar à praia, ou caçando raposas, aves marinhas utilizando técnicas de guerrilha, que lhes permitiam capturar.  Uma outra versão contava que em tempos recuados instalara-se em Moçâmedes uma epidemia de raiva e que a Administração ordenara a morte de todos os cães, mas algumas pessoas, apiedadas meteram-nos a bordo de uma barcaça e rumaram para o Sul para os depositar em qualquer praia, bem longe, mas em vida.  Deixam-nos na Baía dos Tigres onde não havia água doce, e esses animais depressa aprenderam que a espuma das ondas que molhavam o areal não era salgada, e nos longos marasmos do vento, lambiam a superfície da água inerte com um espelho, que também não tinha sal. Nesse ambiente cruel, aprenderam a viver e multiplicaram-se, tornando-se eles próprios tão cruéis como o meio.

Muito recentemente o nosso conterrâneo Aurélio Baptista,  como conhecedor da região, avançou uma 3ª versão que nos parece digna de ser apreciada e levada em consideração. Baseia-se na leitura e na interpretação  que fez do depoimento do explorador inglês Willian T Messum  que referencia deste modo a presença de hyenas de que a Baía dos Tigres seria   infestada : “Aqui accendemos lume e nos preparamos para ficar a noite, mas tivemos sempre sentinela, porque, nas minhas viagens, nem antes nem depois, eu nunca senti tão espantosas vozes de hyenas ou lobos, e toda a noite em roda de nós; que só se dispersaram exactamente quando o dia estava para romper”.  Refere Aurélio: Ora, para um leigo, estas palavras teriam passado despercebidas, mas não passaram a Aurélio Baptista, conhecedor da região, logo se lembrou das hienas que por ali habitam, ou seja da “hiena castanha”  cujo  habitat se resume ao deserto do Namibe e Kalahari. Trata-se de um animal que pode atingir 1,40mts de comprido, 90cm de altura e pesando até 60kgs, que possui uma pelagem tigrada, e, por tal, poderiam ser tomados por tigres pelos exploradores e marinheiros do séc. XVII e XVIII,  nessa época de informação escassa. Este o ponto de vista de Aurélio Baptista :  foram estes animais , as hienas castanhas, que originaram a denominação de Baía dos Tigres à Enseada das Areias/Grande Baia dos PeixesAinda relacionado com hienas.

Alexandre Magno de Castilho, que passou pela Baia dos Tigres em 1867, referiu: “Só vimos muitos quadrupedes parecidos com rapozas muito grandes…  

 

Sobre "hienas castanhas" : Habitat e distribuição

Hienas-castanhas podem viver em áreas onde o índice de chuva não seja maior que 100 mm por ano. Além de sobreviverem com pequenas quantidades de água, elas também conseguem um pouco de líquido das carcaças e das frutas que comem. Um dos alimentos principais das hienas em áreas semi-áridas são os vários tipos de melão, que suplementam a necessidade de água do animal. Sua predileção por melões às vezes as leva a conflitos com fazendeiros, que às vezes matam hienas-castanhas apesar de serem protegidas em alguns países. As hienas-castanhas são encontradas em todo o sul da África, e particularmente na Angola, Namíbia, África do Sul, Botswana, Lesotho, Moçambique, Malawi, Suazilândia e Zimbabwe.

Retirado daqui