quinta-feira, 4 de dezembro de 2008


Garcia, por terra .



Terras do Fim do Mundo - Campanhas do Kuamato (1905,1906,1907)

Posto de socorros

Posto de socorros da face direita do acampamento da Môngua

Terras do Fim do Mundo
- Campanhas do Kuamato (1905,1906,1907) -

Mestre José Carlos de Oliveira*
Deste documento faz parte um documentário, composto por cerca de 150 fotografias relacionadas com o assunto, criteriosamente seleccionadas. A realização audiovisual foi criada para ser exibida em complemento ao entendimento do espírito do tempo em que os factos se passaram. Sem esse suporte, torna-se mais difícil qualquer abordagem. Porém tanto o documentário como o presente artigo reflectem o ângulo de visão e de opinião do autor que, não por acaso, é antropólogo.
Tal como vem acontecendo há 45 anos, os Ex-Instruendos da classe de 1959 da Ex EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola) de Nova Lisboa, mais uma vez se reuniram, e diga-se em abono da verdade, para que se saiba, todos fomos incorporados em companhias Indígenas.
A meio da última confraternização (2005), numa troca de palavras com um velho e grande companheiro, no caso o Coronel Catolino Dias Pinto, (sem qualquer desrespeito pelos restantes) lamentava-me eu, da actuação menos própria de alguns militares. Em resposta, recebi uma grande lição “Zé, não te esqueças, antes de militares são homens, e algumas características menos dignas, também se encontram inscritas na nossa natureza humana…
E ao começar pela abordagem dos valores morais, que teimam em pautar a atitude dos homens e das mulheres, pertençam eles à Nação que perten­cerem (no sentido de chão, de país, de terra dos pais) lembrei-me daqueles que, dum lado e de outro, nos antecederam nas vicissitudes da vida militar.
Nesta Zona de África tudo começou para os portugueses por volta de 1485. Diogo Cão ia dando continuidade às ordens dos seus maiores, percorrendo as etapas necessárias, estabelecendo os respectivos contactos, que facilitariam o posterior encontro com o “Adamastor”. Na sua segunda viagem, colocou o padrão do Cabo Negro1 situado perto da povoação de Pinda e de Porto Alexandre, entre os paralelos 15 e 16 de latitude sul.
A sul da costa de Moçâmedes situa-se a enseada da “Angra do negro” conhecida pelos ingleses por “Little Fish Bay”, mas que para os naturais sempre foi conhecida como Bisungo‑Bitolo. As embarcações portuguesas ron­dariam estas paragens à caça de baleias e na rapina de “peças” (escravos), havendo notícias da presença dos portugueses no século XVII. Terá sido por volta dessa altura que um português deu o nome de Moçâmedes à Baía, embora estas informações sejam muito obscuras. Outras mais concretas dão notícia de uma expedição comandada pelo rico sertanejo Gregório José Mendes na patente de Sargento-mor das ordenanças.
Incumbido de actualizar informações das rotas do comércio do interior, e por outro lado corrigir a infeliz incursão da expedição marítima do Tenente de mar António Valente e do Tenente-coronel Pinheiro Furtado. Ousaram explorar terra depois de arribar em 3 de Agosto de 1785 a Angra do Norte. Foram assassinados quando exploravam a margem do Bero.

Segmento de carta geográfica de 1907 com localização das Terras do Fim do Mundo “Kuamato”
E tudo isto porque tinham sido incumbidos pelo governador da zona para explorarem a possibilidade de criarem ali um possível presídio 2. Sempre que os exploradores europeus, de qualquer potência colonizadora, menosprezaram a inteligência dos nativos, sofreram as respectivas consequências, acabando com frequência por morrer inutilmente.
Todo um passado recente dizia aos potentados quão perigosa se tornaria a permanência militar dos brancos na zona. E note-se que então como hoje, fazer incursões não era difícil, a dificuldade estava em permanecer nos locais avassalados. O adversário sabia memorizar as circunstâncias. Quem invadia, tratando-se de europeus, não estava minimamente adaptado ao clima, à geografia e era desconhecedor quase absoluto dos trilhos de contacto com as populações. Foi assim também nos primeiros dois anos da guerra colonial vivida a partir de meados dos anos cinquenta, já lá vão outros cinquenta anos.
Um astuto, ousado e conhecedor sertanejo, António Guimarães Júnior ofereceu-se, já em 1839 para fundar um estabelecimento em terras de Moçamedes. O objectivo era o de comercializar, carne salgada, fabrico de sola, uma vez que nos nativos eram possuidores de imenso gado bovino.
Todavia não podemos esquecer que estes privilégios concedidos pelo governo tinham por detrás, para além do lucro, a espionagem a favor da implantação do domínio português.
O elemento militar português, ou o que por tal passava, era ainda em 1845‑1848, mais do que nunca o escudo do comércio dos grandes negociantes de Luanda e Benguela. E estes, por sua vez, contavam com a resistência e coragem dos seus pumbeiros e aviados, comerciantes ambulantes, negros mestiços libertos ou forros e mesmo até escravos que deambulavam pelos mercados do interior, tanto os já afectos aos portugueses como aqueles em que os europeus ainda pagavam pela permissão de comprar e vender. Estas relações explicam em grande parte a continuidade de um sistema de trocas (álcool armas, pólvora, panos, etc.) a que correspondia um equilíbrio económico que não conhecera substituto em África.
A grande força dos portugueses provinha da quase total ausência de concorrência comercial e política… Só estava seriamente ameaçado, a norte das possessões reais ao longo do que os portugueses chamavam a Costa do Norte. Era grande e muito experiente a habilidade dos armadores “estáticos” de Luanda e Benguela ao utilizarem a resistência e coragem dos seus pombeiros e aviados, negros mestiços libertos ou forros e mesmo até escravos, quando não eram até degredados, foragidos ou não, como aconteceu com João Brandão e José do Telhado.
Deambulavam pelos mercados do interior, tanto os já afectos aos portugueses como aqueles em que os europeus ainda pagavam pela permissão de comprar e vender. Estes agentes itinerantes iam funar (leia-se praticar o comércio ambulante) pelos mercados do interior no sertão já subjugado ou pelos ainda insubmissos potentados. A perpetuação do sistema de trocas (álcool, armas, pólvora, panos etc.) correspondia a um equilíbrio económico que não conhecera substituto em África.
Um dos principais conflitos residia na oposição que os comerciantes faziam aos militares. Tentavam a todo o transe transformar a transferência de poderes fiscais no sertão. Os missionários por sua vez não viam com bons olhos a ocupação militar, pressentiam as razias. Todos, sem excepção, desconfiavam de todos.
São do General Norton de Matos as seguintes palavras: A 1ª Grande Guerra fez desaparecer o enorme império Austríaco do mapa da Europa, formando com ele diversas nações, no meio das quais a Áustria ficou mínima em território e população, sem finanças próprias, servindo a ensaios e experiências políticas, quase como uma curiosidade de museu3.
E diz mais: Que mandou uma carta a 1 de Janeiro de 1913 ao ministro das colónias de então com os seguintes dizeres:
Desejo-lhe um ano novo cheio de venturas. Venho pedir-lhe que leia o livro de F.Von Bernhardi. A Alemanha e a próxima guerra que foi posto à venda nos fins de 1911. Sei que V. Exa., lê correctamente o alemão, mas já há deste livro uma tradução inglesa4.
Nos tempos que antecederam a Grande Guerra estava a Alemanha ocupada na sua fantástica obra a federação Central Europeia. Para tanto teria que empregar os meios julgados convenientes alargando os seus territórios coloniais em África. Ocorreram acontecimentos que mostravam a possibili­dade da Alemanha obter grandes territórios em África e na América do Sul em consequência de negociações pacíficas subjacentes com a crise financeira e política Portuguesa…
Apresentava-se assim uma oportunidade excelente para se apoderar das colónias portuguesas mais valiosas, embora se tenha dito que a Inglaterra depois de ter chegado a acordo com a Alemanha sobre a partilha das colónias Lusitanas, garantiu a Portugal, (por meio de uma convenção especial) a posse de todas as suas colónias.
Continuam as transcrições, “as terras de África, que terão de passar para a nossa posse devem de ser encaradas sobre dois aspectos: desejamos que umas sejam próprias para a colonização alemã, para a fixação dos colonos germânicos e outras que sejam fornecedoras de matérias-primas e constituam mercados dos produtos alemães”.
Não devemos, porém perder de vista a absoluta necessidade de não enfraquecer na África o elemento germânico, espalhando os colonos ou os comerciantes pelos territórios africanos. Temos de os reunir em blocos compactos, em centros políticos de gravidade, próprios para a criação de mercados das nossas exportações, para a difusão da cultura alemã.
Foi contra este Golias germânico, entre outros que o pequeno Portugal teve de se haver. De que lado enfileirar então? A coabitação, a dominação e a influência dos Portugueses, por antigas que fossem, podiam a todo o momento ser contestadas pelos seus súbditos, vassalos e vizinhos.
A disenteria, a malária, o escorbuto, a filaria, a tuberculose faziam as suas razias nas tropas expedicionárias, àa quais não faltava a semente da desunião. Não admira portanto que um dos piores revezes tivesse acontecido em Setembro de 1904 com os Kuamato. Um guia ovimbundo que fora deportado para o Humbe5 levou-os a cair numa emboscada em Umpungo.
Guerreiros Kuamato Foto do então Alferes Veloso e Castro 1905
Os guerreiros Kuamato, munidos de excelente armamento, muito dele conseguido com a venda de gado, mais para o sul do que para o norte… eram, e continuam a ser, possuidores de excepcionais qualidades militares. As populações vizinhas, juntavam‑se a eles, constituindo a temível Liga Ovampo, sempre que era necessário combater o inimigo comum, o branco.
Como sempre, os Kuamato quando entravam em contacto com os inimigos e em especial contra os portugueses mantinham-se ocultos entre as árvores, tal como aconteceu com a expedição do Comandante Aguiar. Começaram por disparar sobre os oficiais e depois avançaram. A cavalaria, carregou sobre as árvores e perdeu as montadas, tudo aconteceu como em 1891. Os Kuamato estavam a 100 150 metros e tinham concentrado um poder de fogo invulgar nos confrontos bélicos em Angola.
Pior que tudo, o Comandante Aguiar mandou usar a artilharia, as peças mal apontadas dispararam sobre os sobreviventes, que saíam do mato. Naquela ratoeira os Kuamato não fizeram prisioneiros acabando por dar a morte aos últimos sol­dados que ainda resistiam.
Foto do Alferes Veloso e Castro campanhas do Kuamamto 1905
Por volta de Agosto de 1904 todos os Ovambo pressentiam6 que algo acontecia com o Exército Português estacionado na zona. Preparavam uma grande guerra e pareciam muito confiantes.
Os sacrifícios eram incomensuráveis, a fotografia intercalada que se apresenta dá certamente uma pálida ideia do que era, por exemplo, um carro com dez juntas de bois preparado para transportar três toneladas. Muitas vezes o condutor carreiro, era preto, já civilizado, manejando o chicote a preceito, coadjuvado pelo homem do travão e candeeiro, que normalmente não passava de um rapazito e seguia à frente da primeira junta de bois7. Pode imaginar-se o que seria comandar uma expedição militar, constituída por 2 291 militares, oficiais, sargentos e praças, incluindo indivíduos civis, condenados, e indígenas; 115 auxiliares portugueses, boers e indígenas; 100 cavalos, 181 muares, 620 bois de carro, 40 bois para abater (deveriam contar-se entre os bois a abater os que se fossem perdendo das juntas de bois de tracção). E falamos nós hoje de dificuldades. O autor destas linhas foi militar numa companhia indígena, mais propriamente a 5ª Companhia de Caçadores Indígenas do Batalhão de Caçadores Nº 3 (com muita honra) de 1959 a 1963, sempre no Norte de Angola. Sabe muito bem do que fala, durante 35 anos manteve-se na Zona. Acaba de chegar do Uije, onde foi reconfirmar e adquirir novos conhecimentos para dar continuidade à sua tese de doutoramento.
Libata do kuamato 1905
O terreno em terras do Kuamato e do Ovampo é relativamente plano, apenas ligeiras ondulações aqui, além coincidindo em regra com zonas de cultura… Quem atravesse qualquer dos vaus de Balaonde, Pemba, do Encondo ou Macuma, embrenha‑se de seguida em matas marginais, atingindo depois um plató, cujo o aspecto geral seria o de uma vastíssima campina de capim, salpicada por vezes de manchas de mutiati. Essas manchas de mata, ligadas entre si, envolvem as zonas de capim que ficam livres e tomam o nome de chanas. Estas por sua vez, quando extensas e estreitas e correspondendo a depressões sensíveis do terreno, tomam o nome de mulolas. Em regra é à volta das chanas, no meio do mato, que vivem os naturais em libatas, bem defendidas por cercados de pau a pique.
Weyulu, o grande chefe político e militar, já não estava entre os vivos para poder mandar incutir aos seus lenga (guerreiros comandantes) a força mágica vital induzida aos Kuanhama em vitórias anteriores, faltavam‑lhes também os grandes conselheiros alemães… como faltaram às gentes do norte a “inteli­gência” inglesa. O sucessor de Weyulu seu irmão Nande, segundo algumas informações de fonte fidedigna, não era muito afecto aos brancos alemães. Dizia-lhe a experiência vivida e pelos seus antecessores transmitida que, se os seus queriam sobreviver tal custaria a separação do reino. Os brancos dividiriam o país Ovambo entre si. O melhor seria fazer as pazes com eles, embora os chefes guerreiros Lenga, quase todos Ovampo, não Kuanhama, ou mesmo renegados Humbe ou Ganguela, fossem deten­tores de uma enorme vantagem: muito astutos e profundos conhecedores do seu chão, sabiam ler todas as pegadas e pela forma como se inscreviam no terreno até conheciam as intenções do inimigo. Comandavam de forma magistral cerca de 300 homens. A sua experiência era longa, tinham presenciado primeiro e comandado depois, inúmeras razias e saques, sendo essa experiência a força da sua razão, por isso, resistiam às incertezas do seu rei. Se fosse necessário desobedecer, o recurso seria envenenamento do rei. Não deixariam de retirar a sua parte da presa de guerra. Era o seu ofício.
Segundo o missionário francês Lecomte8 “só os Kuamato e os Vale (Mucubais) eram de temer. Eram corajosos, ao passo que os Kuanhama baseavam a sua estratégia no efeito de surpresa e na sua rapidez de atacar as povoações”. Aquilo a que chamamos razias.
Mas Nande, interiormente não se deixava enganar. A sua intuição dizia‑lhe que mais tarde ou mais cedo, as metralhadoras alemãs a sul e as portuguesas a norte, acabariam por crivar de balas a sua independência. O Padre Ernesto Lecomte9 numa das suas “duas cartas dum missionário…” escrevia. Foi ele que em 1901 teria exclamado para o irmão Weyulu: “Visto isso, tu hás-de pertencer aos alemães e eu aos portugueses (Nande administrava o Norte) verás que daqui a meia dúzia de anos já não seremos mais nada e o poder há-de ser dos brancos 10.
Só a indecisão da administração portuguesa iria permitir aos Ovambo, pelo menos aos Kuanhama conservar a sua independência até ao verão de 1915. Facto absolutamente notável, pois só os Dembu a Norte, e a revolta de Buta na zona fronteiriça de S.Salvador, hoje Banza Kongo, tinham similitudes notáveis. Independentemente de tudo isto, o envenenamento espreitava Nande se quisesse tocar no tecido social e económico dos Kuanhama. Extraordinariamente penoso foi admitirem que os brancos eram possuidores das novas magias de matar. Os seus chefes espirituais não as compreendiam, e por isso, não conseguiam transmitir ao seu líder a forma de suportar a derrota.
O autor está ciente (e não necessita de ser um estratega militar) que embora o canhão fosse uma força dissuasora era muito difícil de locomover nestes terrenos. Três novos elementos introduzidos foram fundamentais para conduzir os brancos à vitória:
A metralhadora que passou a devastar filas inteiras de comba­tentes indígenas.
O telégrafo morse, grande ganhador das comunicações e que destronou o tambor de guerra das forças indígenas.
E, finalmente, a fotografia, órgão que punha à disposição do Estado‑Maior do Exército dos brancos o panorama real e factual do que acontecia no terreno.
Acrescente-se que quando os missionários ingleses no norte de Angola utilizaram pela primeira vez esta tecnologia, “a Caixa Mágica” para surpreender as elites políticas que olhavam estarrecidas a figura do seu rei falecido, o seu espanto era enorme e os grandes feiticeiros mais uma vez ficaram, perante os seus notáveis sem poder justificar tal poder detido pelos “feiti­ceiros” brancos. Ainda hoje, no norte de Angola, a máquina fotográfica, na posse de um estrangeiro europeu é olhada com muita reserva.
O já Major Roçadas com oficias do seu Estado-Maior nas campanhas do kuamato
Com estas vantagens contou o Capitão Roçadas, (durante as três campanhas que dirigiu 1905, 1906, 1907) mas também com um vasto conhecimento adquirido pelas expe­dições anteriores. Ines­ti­mável foi a actuação do fidalgo Kalipalula Kuamato da mais alta linhagem. Vo­tado ao ostracismo pelas suas gentes, teve de abandonar com a família e haveres o seu chão. Encontrado muito ferido pelos portugueses, foi curado, em troca conduziu a expedição de Roçadas com a maior segurança, os menores custos e a maior rapidez em alcançar o objectivo.
Os Kuamatos já esperavam os portugueses. Tinham levado para o mato os mantimentos e as armas que podiam. Nas refregas foram auxiliados por outros povos vizinhos surpreendendo muitas vezes os exaustos expedicionários. Estas palavras do Capitão Roçadas são testemunho da valentia do adversário11, As qualidades guerreiras do inimigo e a sua força de combater”.
Estavam prestes a começar os recontros. Os Kuamato tinham reunido o máximo de vizinhos que podiam, mas por si eram os mais temidos, os mais aguerridos os mais audazes, sendo temidos pelos próprios Kuanhama e Evale. Estavam lá também os Kuambi, muito temidos no assalto à arma branca, enfim também os ganguela, barantus, e hingas. Ao todo cerca de 20 000 homens. Tal como Nande os seus guerreiros Kuamato renderam-se momentaneamente, a guerra na zona iria perdurar até para lá de 1920. Curiosamente a última guerra em Angola iria acabar com a morte de Jonas Malheiro Savimbi já lá vão quatro anos (2001).
Recordemos que no início mencionámos o General Norton de Matos: “Desejo-lhe um ano novo cheio de venturas. Venho pedir-lhe que leia o livro de F.Von Bernhardi. A Alemanha e a próxima guerra que foi posto à venda nos fins de 1911. Sei que V. Exa., lê correctamente o alemão, mas já há deste livro uma tradução inglesa.12”
Do discurso do Comandante de Operações do Kuamato, José Augusto Alves Roçadas, proferido na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1908 ressalta um trecho final “…seja organizado por um processo idóneo, parece que seria o meio de iniciar desde já o ressurgimento daquela nossa pérola colonial, que, filha ainda, na infância, a mãe pátria deve cuidar em instruir, desenvolver e preparar para a luta futura, de forma a que no dia em que chegue à sua maioridade, ela possa dar-lhe voluntariamente o emblema da independência, na certeza do que terá quem continue a representar dignamente, como sucede hoje com o Brasil, a velha raça lusitana, e a considerar-nos como nação favorecida nos tratados mútuos.
Estas apreciações dependem sempre do mérito que o leitor possua em saber interpretar o espírito do tempo em que os acontecimentos se desenvolveram…
______________________
* Mestre em Ciências Sociais e Políticas, Antropologia Cultural e Estudos Africanos pelo ISCSP/UTL.
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1 Silva, Raul José Candeias Subsídios para a História da Colonização do Distrito de Moçâmedes Durante o século XIX, Stúdia Nº32 (Junho 1971) p. 371.
2 Idem p. 374.
3 Matos, Norton Memórias e trabalhos da minha vida, volume 4 pp. 9‑10.
4 Idem, p.18.
5 Pelissier, Rene, História das campanhas de Angola II, p. 191.
6 Pelissier, Rene História das campanhas de Angola II. p. 189.
7 Roçadas, José Augusto Alves Conferência sobre o Sul de Angola, A propósito das operações Militares do Cuamato, Sociedade de Geografia de Lisboa, 1908 p. 11.
8 René Pelissier, obra citada, II p. 190.
9 Lecomte, Ernest, Duas cartas do missionário Ernesto Lecomte, P. E Af. Nº132 Dezembro de 1904.
10 René Pélissier, obra citada I, p. 35.
11 Roçadas, José Augusto Alves, obra citada, p. 23.
12 Idem, p.18.

Fonte : Revista Militar

In blog CausaMonarquica

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A GUERRA EM ANGOLA

1. AS PRIMEIRAS OPERAÇÕES MILITARES EM 1914

Leito do Cacoluvar
A procurar água no leito do rio Cacoluvar

I. A FORÇA EXPEDICIONÁRIA. PREPARAÇÃO DAS OPERAÇÕES

A entrada da Inglaterra no conflito europeu, tornada pública com a declarado de guerra à Alemanha em 5 de Agosto de 1914, e a possibilidade de que, mais tarde ou mais cedo nos poderíamos encontrar envolvidos no mesmo conflito, levaram o governo português a pedir ao Congresso da República, em 7 do referido mês, «as faculdades necessárias para, em tal conjuntura, garantir a ordem em todo o país e salvaguardar os interesses nacionais, bem como para ocorrer a quaisquer emergências extraordinárias de carácter económico e financeiro».

Dada a nossa condição de potência colonial, cujas duas maiores possessões ultramarinas - Angola e Moçambique - confrontavam, ao tempo, com dois grandes territórios alemães - a Damaralandia e o Leste Africano - e tendo em atenção que eram sobejamente conhecidas as pretensões germânicas de compartilhar a posse daqueles nossos domínios, o Governo da metrópole, na previsão de futuros acontecimentos, resolve reforçar as guarnições provinciais com dois corpos expedicionários, um destinado a Angola, outro a Moçambique.

No dia 18 de Agosto, o general Pereira de Eça, Ministro da Guerra, convida o tenente coronel do Corpo do Estado Maior Alves Roçadas 1 a aceitar o comando do primeiro daqueles corpos, constituído por um quartel general, um batalhão de infantaria, uma bateria de metralhadoras, uma bateria de artilharia de montanha, um esquadrão de cavalaria, serviços de saúde, engenharia, administração militar, transportes e de etapas, e tendo por missão assegurar a obediência do gentio e vigiar a fronteira sul nos pontos importantes 2.

A partir do dia 20, e por intermédio do Ministério das Colónias, Roçadas expede ao governador geral ele Angola uma série de telegramas pedindo informações sobre os recursos existentes na província e mandando proceder a vários trabalhos, entre os quais a mobilização das unidades indígenas e europeias.

Passados dias, e depois de ter reunido os elementos que lhe foi possível colher em Lisboa, apresenta ao Ministério das Colónias um projecto de operações, no qual prevê o reforço do corpo do seu comando com unidades da guarnição da província de modo a constituir-se uma coluna de operações cuja composição e efectivo correspondessem à importância dos objectivos a atingir e que seriam: ocupação directa cio Cuanhama e oposição ao avanço de quaisquer forças, isoladas ou não, que pretendessem invadir o território da colónia.

Nos dias 10 e 11 de Setembro, a bordo cios vapores Cubo Verde e Moçambique, parte ele Lisboa o corpo expedicionário.

A 27 de Setembro e 1 de Outubro desembarcam em Moçamedes o Comando, as unidades de menor efectivo e os Serviços, continuando a bordo por alguns dias, e até que fosse escolhido e preparado o seu aquartelamento na cidade, o batalhão de infantaria 14.

Pouco depois da instalação do quartel-general em Moçamedes, e até 11 de Outubro, publicam-se as ordens e instruções para a organização do serviço de informações e dos serviços da retaguarda.

Para a organização do primeiro destes serviços, o Governador-Geral de Angola, Norton de Matos, ampliando as instruções confidenciais do Ministro das Colónias, determinava ao Governador do distrito de Moçamedes que cooperasse com o comandante do corpo expedicionário na instalação e funcionamento do referido serviço, ordenava aos chefes de concelho, de circunscrição e de postos da beira mar que se pudesse em contacto com as canhoneiras Save e Massabi, que estavam cruzando ao longo da costa de Moçamedes.

Cais de Moçamedes

Cais flutuante de Moçamedes

Ao Governador do mesmo distrito solicitava Roçadas que lhe transmitisse quaisquer informações que se referissem à acção de alemães ou indígenas nas nossas águas, no nosso litoral, no próprio território da Damaralandia e no interior do distrito; e aos capitães-mores do Cuamato, Evale e Baixo Cubango confia-lhes idêntico serviço a respeito do que se passar dentro da área das respectivas jurisdições e no país da Damaralandia, que interesse à nossa acção militar e política no sul da província.

Com o fim de completar as informações relativas ao inimigo provável com as que diziam respeito ao terreno em que poderia vir a operar, manda ainda proceder ao reconhecimento militar do Baixo Coróca no litoral de Moçamedes, ao estudo do acesso possível às regiões de Otchinjou, através dos contrafortes da Chela, estudos estes cujo objectivo era encontrar uma posição militar que fechasse o acesso do Baixo Cunene a Porto Alexandre e Moçamedes e verificar se era possível pôr em ligação a força, que porventura viesse guarnecer aquela posição, com as futuras forças do sector de defesa do Pocolo.

Publica, a seguir, a organização dos serviços da retaguarda, estabelecendo como base dessa organização:

Zona do interior – Desde o litoral até o planalto da Huíla. Zona da retaguarda – Desde o planalto da Huíla até o Cuamato. Zona de operações – Desde o Cuamato até à fronteira alemã. Estação de reunião – Os depósitos de Moçamedes, na estação do caminho-de-ferro. Estação «terminus» – Estação do caminho-de-ferro de Vila Arriaga. Base de etapas – Lubango-Chibia. Testa de etapas -Forte do Cuamato.

Expede ainda as instruções para o serviço de etapas e, no dia 11 de Outubro, depois de ter verificado pessoalmente o estado de adiantamento dos alojamentos destinados às diversas unidades expedicionárias, ordena a concentração destas no planalto.

A 18, Roçadas tomava posse do governo da Huíla. A fim de ser facilitada a sua acção como comandante do corpo expedicionário, cujas operações militares deviam desenrolar-se em regiões pertencentes àquele distrito.

A 19, dá-se o primeiro incidente de fronteira, em Angola – o incidente de Naulila.

A caminho do embarque

1914 - O batalhão de marinha a caminho do embarque

O Dr. Vageler, ao terminar os seus estudos próximo do Cunene, pretendera passar para a Damaralândia, através da Hinga, mas detido pela nossa polícia nas proximidades da Dombondola e remetido para o Humbe, onde se encontrava por ocasião do incidente de Naulila, serviu de intérprete ao administrador daquela circunscrição na conferência que esta autoridade tentara realizar com o sargento alemão da escolta do Dr. Schultze Jena, junto ao Calueque, na manhã do dia 19 de Outubro, seguindo para a Damaralândia com a referida escolta, depois de ter exclamado: C'est la guerre.

O incidente de Naulila e a apreensão do comboio dos 11 carros boers levaram Roçadas, de acordo com o coronel Coelho, a mandar retirar a missão do distrito da Huíla, na previsão de dificuldades que poderiam advir à execução das medidas do governo com a permanência dos membros da mesma missão no interior.

A maioria destes encontravam-se rio Lubango, donde seguiram directamente para Moçamedes; mas Schubert, oficial de artilharia da reserva, que andara juntamente com Roma Machado, tendo pedido autorização para seguir pelo caminho do Chácuto, o que lhe fora concedido, desaparece de uma maneira singular na estação do caminho de ferro do Munhino, no intuito de seguir para a Damaralandia, o que lhe não foi consentido, e, ao ser preso na Chela pelo português Morgado, exclama: Já vem tarde.

Mais súbditos alemães, além daqueles a que acabamos de fazer referência, se encontravam espalhados pelos distritos de Benguela e Huíla, exercendo, aparentemente, as profissões de negociantes, colonos agrícolas, exploradores de terras e empregados em oficinas particulares, mas, segundo todas as probabilidades, desempenhando o papel de espiões informadores.

A ordem de expulsão do território do distrito da Huíla dada aos membros da missão de estudos é mandada aplicar, como era óbvio, a todos os súbditos de raça germânica e ainda àqueles que, estrangeiros ou nacionais, fossem considerados suspeitos, tornando-se extensiva ao vice-cônsul Schoss e família logo após o conhecimento do massacre do Cuangar.

Dias depois, quando se procedia à detenção de um alemão, que se verificara ser oficial da reserva e era empregado nas oficinas do Almeida da Chibia, foi-lhe apreendida uma carta da Damaralandia, onde estava traçado a lápis o itinerário com a indicação das etapas que mais tarde seguiram as forças que de Outjô, e sob o comando do major Frank, vieram atacar Naulila (18 de Dezembro).

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sábado, 25 de outubro de 2008

Vila de Mossâmedes 1840 - 1955





Refª ao livro "Viagens "Na Africa E Na America. XIX. 1854", in O Panorama: semanario de litteratura e instruccão, Volume 11 pela Sociedade Propagadora dos Conhecimentos, podemos ler a seguinte descrição: 

"...Por fins do anno de 1840 aportei eu a Mossamedes. Haviam apenas ali algumas palhoças, em uma das quaes morava o commandante do prezidio, e estava começada a fortaleza de S. Fernando. Foi a guarnição do nosso brigue que levantou a primeira casa de pedra e cal n'aquelles areaes, e que cultivou com successo uma pequena horta, perto do rio, a qual todavia foi fatal a mui tus dos agricultores.  Hoje é diferente. Com a chegada dos colonos de Pernambuco em 1849, e ulteriores providencias do governo da metropole, tem não só crescido consideravelmente o numero de habitações, e o commercio de marfim, gado, urzella, rêra, e gomma copal com o interior, mas as communicações com o sertão tera-se tornado mais frequentes, e os proprios colonos avançam as suas plantações de assucar, algodão e mandioca até 35 leguas distante de Mossamedes com feliz resultado; o café é que não produz bem n'este terreno.



Postal histórico,  datado de 26 de Junho de 1904, onde de vêm as primeiras edificações da Vila, na praia do Bom Fim hoje conhecida por praia das Miragens. Por decreto de 26 de Março de 1855, e por carta régia expedida a 7 de Maio do mesmo ano, Mossâmedes subiu à categoria de Vila..Praia do Bom Fim - Praia das Miragens




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Postal histórico da Vila de Mossâmedes  datadao de 1904.
Fortaleza de S. Fernando.




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Postal histórico datado de Janeiro de 1904,  representa a fortaleza de S.Fernando construida em 1884, pelo então Governador Geral da Província de Angola - Manuel Eleutério Malheiros e que continha 26 canhões.
E ao longo da praia anexa à fortaleza se edificou a partir de 1880 e anos seguintes a Vila de Mossâmedes.

Mossâmedes 1840 / 1855


Imagem do Forte mandado construir em 184o pelo então Governador Geral da Província de Angola e concluido em 1884, iniciando-se a ocupação militar de Mossâmedes.

Moçâmedes 1954


Fotografia do jardim tirada do Forte de S. Fernando, construído em 1884


Moçâmedes 1954



Mossâmedes 3 / 6 / 1939



Mossâmedes 3 / 6 / 1939



Vista panorâmica da cidade em  3 / 6 / 1939


Mossâmedes 3 / 6 / 1939


Edificio da Alfândega Mossâmedes 3 / 6 / 1939


Vista da cidade pelo lado do mar.

Mossâmedes 3 / 6 / 1939


Vista do deserto para a cidade

Moçâmedes - Vista da Aguada a 3 / 6 / 1939


Na recolha das fotografias da família encontrei oito fotografias tiradas de avioneta e oferecidas pelo meu avô materno, José Pereira Craveiro, natural de Mossâmedes, às suas filhas Maria de Lourdes Craveiro Nóbrega e Maria Delfina Craveiro Coimbra, ambas também nascidas na cidade. Todas elas datam de 3 de Junho de 1939.

Moçâmedes 1935 / 1940


Mocâmedes 1935 / 1940

Carregar na imagem para ver em tamanho 1520 x 2250.

"No Sul d'Angola

1. O tenente Aragão dando banho aos cavalos no rio Cunene junto ao Capelongo. -- 2. Chana do Mufilo (campo do silencio), local onde estão depositadas as ossadas dos militares mortos em 1907 e onde o capitão Martins de Lima deu a carga conhecida por carga de Mufilo. -- 3. O tenente Aragão n'um dongo passando o Lussuco (vau onde os Cuanhamas passam para as razias). 4. Auxiliares cuamatas recebendo carne em pagamento de serviço prestado a um destacamento comandado pelo tenente Aragão, o glorioso comandante dos dragões de Mossamedes, morto no combate de Naulila."

Ilustração Portugueza, No.475, March 29 1915 - 8a

Ilustração Portugueza, No.475, Março 29 1915 - 8

Publicada por Mariana

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Bochimanes do Sul de Angola



Por causa desta notícia, na Survival International, sobre os bosquímanos (os povos Khoisan), que conheci na Handa (região da Mupa, Angola), releio Estermann*:

 «Como é sabido, estes primitivos devem o nome, por que são conhecidos, aos colonos Holandeses do Cabo, que os denominaram “Bosjesmannen” (em inglês “Bushmen”), que quer dizer “homens da floresta”. [...] A maioria dos Bochimanes do Sul de Angola pertence à tribo !Kung (! é o sinal gráfico para o clique gutural). [...] Embora não sejam precisamente “vermelhos”, como os negros dizem, a cor da pele é muito mais clara do que nos Bantos. É acastanhada, às vezes até amarelada, duma amarelo claro. [...] As mulheres gozam duma grande independência [...] a monogamia era imposta aos homens pelas mulheres, que não tolerariam rivais. [...] não praticam a circuncisão. [...] para eles o “Ente Supremo” se chama //Gaua (// é o sinal para o clique lateral). [...] Gaua, que é sempre invocado nas necessidades. “Todos os dias pedimos-lhe assim” - disse um velho- “paizinho, deixe-nos ficar fartos hoje!” [...] os Negros julgam inútil ou indigno falar a língua dos “selvagens”. Todos os homens da raça bochimane, mais raras vezes as mulheres, falam uma língua banta. Mas, o que é afinal que nos faz parecer cómica a língua bochimane? É o emprego dos cliques ou estalinhos. [...] Os Bantos da região chamam estes povos pelo nome de Ova-kwankala [...] os do caranguejo. [...] empregando-o indistintamente para Bochimanes e Hotentotes. [...] O termo empregado para designar os Negros em oposição aos Ova-kwankala é Ova-yamba, que quer dizer - os que possuem bens, os ricos.»
Que será deles hoje? Estermann calculava, estimativamente, 4000 a 5000 em 1939.

* Estermann, Carlos, Etnografia de Angola, vol. 1, IICT, Lisboa, 1983, pp. 35-43.
Foto
+ 220 fotos (Namíbia, 1993)

domingo, 5 de outubro de 2008

O farol da Ponta Albina albergava um hóspede de peso

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Porto Alexandre

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Era a maior povoação digna desse nome,a mais a sul de todas.Angola terminava com o farol da Ponta Albina,e mais abaixo, de raspão junto à fronteira,a Baía dos Tigres finalizava-a mesmo.Paragens desertas e inòspitas.O farol da Ponta Albina albergava lá um hóspede de peso, era em simultâneo faroleiro e preso ao mesmo tempo.Paradoxo dos paradoxos,mas Angola ao tempo era rica em paradoxos.A creatura para ali estava naquela imensidão e ainda por cima com mordomias do estado.Vièmos a saber depois que se tratava do Sr.Simão Toco,este senhor era nem mais nem menos que um poderoso patriarca religioso que, aglutinava ao tempo milhares e milhares de seguidores,pràticamente em todo o norte de Angola,e até para lá da fronteira pois os povos das duas zonas eram os mesmos Quicongos.Quem estava em Angola ao tempo sabia bem o que era o tocoismo.O que é curioso é que o homem estando preso,era em simultâneo funcionàrio do estado português com a categoria de faroleiro.Os mantimentos faziam-se-lhe chegar da seguinte maneira.No período das marés vivas e em plena vazante,o jipão fazia-se à praia e era vê-lo com o prego a fundo a calcurrear a distancia que nos separava do farol.O cabelo flanava qual bandeira em desfralda, o peito ao léu recebia os ventos marítimos como um bàlsamo, contrariando o ar seco e abafadiço do deserto; foram tempos de vida em plenitude.as trocas eram feitas e raramente se podia fazer a viagem de regresso na mesma vazante esperando pois pela seguinte.O homem à despedida abriu-se-nos, num sorriso franco,e bom.E lá fomos.

publicada por drakemberg

E ASSIM NASCEU MOÇÂMEDES...

 

A BAÍA DE MOÇÂMEDES NAS ANTIGAS CARTAS E ROTEIROS 


A Baía de Moçâmedes, entre os ingleses a "Little Fish Bay" (Pequena Baía dos Peixes), figurava nas antigas cartas e roteiros de navegação sob a designação de "Angra do Negro". assim designada porque dizia-se então, por ela, como por todas as baías, angras e enseadas de Angola, se fazia larga exportação de escravos (A derrocada, 1913 - O Distrito de Moçâmedes, nas fases de origem e da primeira organização - 1485-1859, pág. 27, de Manuel J.M.Torres).

AS PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES PARA O CONHECIMENTOS DO TERRITÓRIO DE MOÇÂMEDES

O desvairo do comércio de escravos impediu que durante três séculos se procedesse a um reconhecimento proveitoso da costa e dos sertões ao sul de Benguela. A primeira exploração regular só pode efectuar-se em 1785. Ordenou-a o Capitão-General de Angola, José de Almeida Vasconcelos Soveral e Carvalho, Barão de Moçâmedes. Organizaram-se, então, em Benguela, duas expedições, que deveriam seguir para a "Angra do Negro", uma por mar e outra por terra. A direcção da primeira foi confiada ao tenente-coronel Luís Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado e a da segunda ao Sargento-mor Gregório José Mendes.

EXPEDIÇÃO DE PINHEIRO FURTADO - VIA MARÍTIMA. A expedição Marítima, com Pinheiro Furtado, embarcou na fragata Luanda, sob o comando do Capitão-tenente António José Valente. A fragata era ainda acompanhada duma outra chamada Paqueta real, e partiram de Luanda a 25 de Maio de 1785 e chegaram ao Novo Redondo a 7 de Junho do mesmo ano. Cinco dias depois, ou seja, dia 12 de Junho, os navios seguiram para Benguela onde fundearam no dia 22 de Junho. De Benguela, a fragata sob o comando do Capitão-Piloto Manuel José da Silveira, tendo saído para o sul, fundeou em Angra dos Negros em 3 de Agosto de 1785. MUDANÇA DA DESIGNAÇÃO DE ANGRA EM PORTO DE MOÇÂMEDES Pinheiro Furtado durante sua navegação para Angra dos Negros enfrentou ventos de Sudoeste, soprados pela proa e fortes correntes de feição contrária que os obrigou a navegar sempre á vista de terra, observando minuciosamente, palmo a palmo, toda a costa. Ao chegar ao destino (Angra dos Negros) e após fundear, Pinheiro Furtado exprimiu o desejo de prestar justa homenagem ao ilustre titular que ordenara a exploração tendo solicitado por escrito ao Capitão-General de Angola, nos seguintes termos: "Seja sua Excelência servido permitir que, nos mapas, o novo porto ele o denomine de Moçâmedes".

EXPEDIÇÃO DE GREGÓRIO MENDES - VIA TERRESTRE A expedição terrestre, chefiada por Gregório Mendes, compunha-se de: Escolta de mil pessoas, sob seu comando; Vinte soldados, comandados pelo porta-bandeira Luís Cardoso; Miguel Pinheiro, Francisco Rodrigues (antigo tenente de artilharia) e do Piloto Manuel Pires da Cruz. Gregório Mendes e seus homens partiram de Benguela com rumo Sul-sueste, em 30 de Setembro de 1785. No primeiro dia chegaram a Quipupa. Em 1 de Outubro chegaram ao Dombe de Quizamaba atravessada pelo Rio Cupororo onde ficaram até dia 3 de outubro para se proverem de água, mantimentos e gados. Em 4 de outubro chegaram a libata Malicalunga, onde permaneceram a explorar a bacia do Cupororo até dia 6. Em 7 de Outubro chegaram ao Mocuio. E assim prosseguiram a marcha até que em 3 de novembro pelas 3 horas da tarde chegaram ao Porto de Moçâmedes onde assentaram campo. Depois prosseguiram marcha, até que em 7 de Novembro chegaram em bentiaba. Em 24 e 25 de Novembro chega em Dombe de Quinzamba onde fecha o círculo de sua digressão. Volta á Benguela, donde tinha partido, e onde chega a 29 de Dezembro de 1785. Pinheiro Furtado e Gregório Mendes instaram, o governo geral, para que se erguesse um presídio na Baía, para que se mantesse eficazmente o domínio português e se intensificasse o tratado iniciado com os povos que aí habitavam. Mas o Barão de Moçâmedes, não obstante a entusiástica descrição de Gregório Mendes e a particular estima que votava a pinheiro Furtado, afora o patriótico desejo de fazer boa administração, não pode realizar tal empreendimento por haver deixado, pouco depois, o Governo da Província de Angola. No entanto, o esforço despendido pelos dois exploradores tivera resultado auspicioso, embora demorado, porque só em 1839 os portugueses continuaram a fazer expedições dos territórios Sul-angolanos. Antes, um explorador francês chamado João Baptista Douvallier em 1827 fizera uma viagem para Angola, tendo solicitado ao Ministro das Colónias o seu interesse em fundar em Moçâmedes um presídio para degregados. Esta solicitação do explorador francês evidenciou a urgência da ocupação por parte de Portugal dos territórios sul angolanos. Assim é que em 1839 recomeçaram as explorações com expedição de Pedro Alexandrino, por mar, e Francisco Garcia, por terra. Pedro Alexandrino saiu de Luanda a bordo da corveta Isabel Maria em 9 de Agosto de 1839, passou por Benguela e dia 23 de Setembro chegou a Cabo Negro. Em 4 de Novembro chegou á Baía de Moçâmedes, onde, como eles descreve em seus relatórios, "as espécies itiológicas são muito variadas e em muita quantidade. Determina a posição da Baía a 15º 10.0´ de latitude Sul, e 012º 5.0´ de longitude Este. Francisco Garcia saiu no dia 17 de Agosto de 1839 de Benguela, tendo chegado á Baía de Moçâmedes em Setembro.

OCUPAÇÃO DE MOÇÂMEDES 1 - Ocupação Militar Feitos os estudos da costa e dos sertões, em 1840, o então Governador Geral da Província de Angola, Manuel Eleutério Malheiros, ordenou em Fevereiro de 1840 que se levantasse um forte na Baía de Moçâmedes, tendo se iniciado a ocupação militar de Moçâmedes. Em 1844 o forte foi construído. 2 - Ocupação Económica Da fundação do presídio e Estabelecimento de Moçâmedes e da celebração do pacto amistoso e mercantil entre autoridade portuguesa e os sobas derivou a criação, na Baía, de feitorias, casas de negócios que foram se instalando ao longo da praia entre 1840 e 1849.

CHEGADA DOS PRIMEIROS COLONOS A MOÇÂMEDES A primeira feitoria foi montada por António Joaquim Guimarães Júnior, sendo considerado, o primeiro morador branco de Moçâmedes. No entanto os corajosos esforços dos primeiros moradores dos presídios e estabelecimentos de Moçâmedes, representavam tentativas persistente, mas isoladas, de poucos, e não podiam originar uma colonização em forma razoável, com razoáveis probabilidades de êxitos. Foram os lastimosos acontecimentos de Pernambuco (Brasil), ocorridos em 26 e 27 de Junho, que determinaram a partida para Moçâmedes, em 1849 e 1850 de dois grupos de Portugueses, residentes naquela cidade, numerosos e seleccionados, que formaram as chamadas "Primeira e Segunda Colónias" Assim, em 23 de Maio de 1849 partiu de Pernambuco (Brasil) a Barca Brasileira «Tentativa Feliz», capitaneada pelo Brigue de Guerra Nacional "Douro" com 166 colonos no total tendo chegado a Moçâmedes no dia 4 de Agosto de 1849, sendo considerados os primeiros colonos e fundadores do distrito .

sábado, 9 de agosto de 2008

MEMORIAS DE UM MOÇAMEDENSE: ARMINDO BENTO


Recordações e Retalhos I
















Recordações e Retalhos II







































(continua)

Agradecimento


A publicação destas memórias só foi possível devido à prestimosa colaboração de Albano Júnior, dirigente da ADIMO – Amigos do Distrito de Moçamedes, que nos facultou o acesso ao texto que passamos a publicar.
Os nossos penhorados agradecimentos.
Admário Costa Lindo


Nota Prévia

Este texto foi escrito pela sua própria mão, já depois do nosso pai ter sofrido uma trombose, razão pela qual, devido ao seu tamanho e pormenores, foi necessário um esforço muito grande de memória e muita força de vontade para o concluir. Por isso, o recordamos sempre como uma pessoa inteligente (e culta apesar da sua pouca instrução), dinâmica e persistente.

O nosso pai veio a falecer com 78 anos de idade, no dia 25 de Setembro de 1991, ou seja, 7 dias depois de ser atropelado por um camião do lixo, numa passadeira para peões, perto do nosso bar da praia, em Quarteira. Veio a provar-se em Tribunal que o condutor da referida viatura se encontrava alcoolizado no momento do acidente. Mas nós não quisemos complicar a vida desse homem em Tribunal, visto que era um pobre coitado e nada mais interessava, agora que o nosso
pai estava morto. A Câmara pagou uma quantia ridícula como indemnização pela sua morte.

Esta transcrição serve apenas como recordação para a família e amigos mais chegados, daquele que foi, tal qual o seu pai (nosso avô) um trabalhador incansável, um bom marido, bom pai e grande amigo.

Os filhos
(Retirado DAQUI)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Raul Radich Júnior

Homenagem a Raul Radich Jr

























Texto da Homenagem prestada ao Raul Radich
Júnior, a 1 de Agosto de 2004 no Encontro anual
em Caldas da Rainha.
in: Adimo

sábado, 29 de março de 2008

EM TÔRNO DE ALGUNS TÚMULOS AFRO-CRISTÃOS



 
 
 
EM TÔRNO DE ALGUNS TÚMULOS AFRO-CRISTÃOS [1]


PREFÁCIO
Era natural que percorrendo, como percorri, de 1951 a 1952, grande parte do Ultramar Português, atravessando, para atingi-lo no Oriente e na África, outras áreas tropicais ou quase tropicais - o Egito, a Arábia Saudita, o Paquistão, a União Indiana, o Senegal, as Rodésias, a África do Sul, a Libéria, o Congo Belga, que fiquei também conhecendo de perto - minhas observações de paisagens e populações, de costumes e estilos de vida, nesses países e nessas áreas, se processassem dentro da hipótese de trabalho que levantei no início da mesma viagem de estudo, em conferência proferida no Instituto de Goa. Essa hipótese de trabalho, eu a confirmaria - como critério de interpretação de um complexo binacional à base da evidência de constituírem o Brasil e os vários Portugais uma área de cultura em grande parte condicionada pela sua ecologia tropical - em conferência lida na Universidade de Coimbra - "Em tôrno de um novo conceito de tropicalismo" - após aquela longa, e para mim, proveitosa viagem.
No trabalho que se segue, recordo algumas das observações diretas de paisagens e populações luso-orientais e luso-africanas, que me levaram a sugerir a caracterização do mesmo complexo como complexo binacional de civilização, para o qual sugeri a denominação, inevitàvelmente pedante, de luso-tropical; e que - mais do que isto - me parece constituir base ou motivo para possível subciência. Subciência que, dentro de uma possível Tropicologia, geral, se denominasse Luso-tropicologia, tendo por ciência intermediária, uma também possível e até necessária Hispano-tropicologia. É uma sugestão, esta, que vem merecendo o apoio de antropólogos, sociólogos e ecologistas da Europa e dos Estados Unidos; e também do Brasil. Recentemente teve a aprovação de cientistas sociais de Oxford, Paris, Londres, Holanda, Bélgica, Itália, Portugal, Estados Unidos, assim como da África e do Oriente, reunidos na Europa em conclave de caráter estritamente científico, em tôrno de problemas de pluralismo étnico e cultural, sob os auspícios do Instituto Internacional de Civilizações Diferentes, com sede em Bruxelas.
A documentação fotográfica que recolhi no Oriente e na África - e parte da qual acompanha o texto do trabalho que se segue e é nele publicada com o maximo possivel de nitidez, graças ao Professor Pinto de Aguiar - recolhi-a dentro da preocupação de reunir material de valor comparativo para estudos do comportamento e da cultura dos vários grupos ou das diversas sociedades que, no Oriente, na África, na América, parecem constituir hoje o sugerido complexo luso-tropical; ou seja, uma comunidade luso-tropical caracterizada por um quase sistema de relações simbióticas de grupos étnico-culturais uns com os outros e de todos com o ambiente ou o meio tropical. Daí fotografias - que constam daquele material de viagem de estudo e algumas das quais são agora publicadas - sôbre os diferentes estilos que caracterizam o uso do pano à cabeça por mulheres do povo num arquipélago-síntese, como Cabo Verde: estilos que devem ser comparados com os ainda em uso no Brasil. Fotografias - nem sempre tècnicamente boas - do trajo de mulheres, cristãs ou não, da Índia que parecem ter tido influência sôbre o trajo de mulheres do povo de alta categoria em áreas luso-africanas como Moçambique e o Brasil; de tipos castiçamente indianos de palanquins dos quais se derivaram os brasileiros com suas variantes; do interior de tempos hindus, que visitei, e que me impressionaram como tendo talvez provocado nos Católicos o desejo de fazerem o interior de suas igrejas rivalizar com o desses templos - e superá-los - em fausto e pompa; de tipos de africanos em fase de assimilação do estado "primitivo" ao "civilizado", luso-tropical, africanos em transição cujos trajos talvez possam ser utilizados por continuadores do meu amigo Flávio de Carvalho, como sugestões para experimentos em tôrno do vestuario idealmente ecológico para o homem civilizado nos trópicos: vestuario que o Brasil está quase na obrigação de ser o primeiro povo a inventar, através de combinações inteligentes de estilos mestiços de indumentaria já desenvolvidos em areas de civilização luso-tropical. A tais fotografias acrescentei, na minha colheita de material antropologico durante aquela longa viagem de estudo, aquelas que me parecem ilustrar o modo por que portuguêses de hoje procuram dominar, pela técnica, desertos tropicais como o de Angola, servindo-se, em alguns casos, de experiência ou de experimentos brasileiros; e noutros, realizando obra pioneira de que os técnicos brasileiros precisam de inteirar-se. De qualquer modo, realizando obra caracterìsticamente luso-tropical pelo que continuam a juntar de lusitano a paisagens e culturas tropicais; pelo que continuam a conservar e desenvolver, dos nativos dos tropicos, de artes tanto das chamadas maiores como das denominadas menores, sob o aspecto de artes simbiòticamente lusotropicais. Dessas fotografias várias serão publicadas noutro trabalho, por se referiram menos a uma arte especifica, como é a do tumulo, que a experimentos de caráter não só artístico como científico que se vêm realizando naquelas áreas de civilização luto-tropical.
Êste aspecto de assunto tão complexo como é o conjunto que forma uma civilisação luso-tropical - a arte luso-tropical - foi aliás o tema de todo um curso em que, servindo-me através de projeções de documentário fotográfico quase de todo inédito, procurei considerar problemas de "Sociologia da Arte aplicada a situações luso-tropicais". Êsse curso realizou-se na Escola de Belas Artes da Universidade do Recife, no mês de outubro de 1957, por iniciativa do seu ilustre diretor, naquela época o Professor João Alfredo, com o apoio do então Magnífico Reitor Joaquim Amazonas, que presidiu a sua inauguração. Foi um curso em que se inscreveram 150 estudantes e foi por êles e por numerosos ouvintes seguido com o maior interêsse: interêsse provocado pelo tema. A êsse curso se seguiram novas conferências sôbre o assunto, estas proferidas na Escola de Teatro da Universidade da Bahia, em 1958, por iniciativa do seu Magnífico Reitor, o Professor Edgar Santos, e com a valiosa colaboração do diretor da mesma Escola, o Professor Martim Gonçalves; e também uma serie de conferências, igualmente ilustradas, proferidas no Museu de Arte de São Paulo, a primeira das quais presidida pelo Deputado Horacio Lafer que encareceu a coveniencia de ser a matéria versada pelo conferencista conhecida por um publico maior.
Daí outra iniciativa do Reitor Edgar Santos: a de publicar a Universidade da Bahia grande parte do material fotográfico e algumas das notas que venho reunindo sôbre temas luso-tropicais, do ponto de vista da Sociologia da Arte em particular, e da Antropologia ou da Sociologia Cultural, em geral - as que se referem aos túmulos afro-cristãos de Moçamedes - como edição da Imprensa Universitária da mesma Universidade da Bahia. Devo salientar que algumas das notas que se seguem foram lidas e algumas das fotografias, que as acompanham, exibidas, em conferências proferidas pelo autor no Instituto Joaquim Nabuco de Ciências Sociais, depois de terem sido objeto de pequena comunicação de caráter antropológico, em inglês, também acompanhada de ilustrações, sôbre túmulos afro-cristãos de Moçamedes, ao Professor Evans-Pritchard, o sábio catedrático de Antropologia da Universidade de Oxford, quando tive a honra de ser recebido por êle e pelos seus principais colaboradores, no Departamento de Antropologia da mesma Universidade, em maior de 1956. Outras notas e fotografias sôbre temas luso-tropicais da arte serão publicadas pelo Museu de Arte de São Paulo.
É claro que à observação de tais aspectos do comportamento português no Oriente e na África - os de interesse artistico - juntei o afã de procurar surpreender o modo lusitano de proceder com relação a orientais e africanos cristianizados e não-cristianizados. E creio ter encontrado confirmação para a sugestão de que é um modo de proceder sociòlogicamente mais cristocêntrico que etnocêntrico, em contraste, por exemplo, com o dos Protestantes holandeses, neste particular influenciados pela Igreja Holandesa Reformada.
Sto. Antônio de Apipucos (Recife), 1959.

EM TÔRNO DE ALGUNS TÚMULOS AFRO-CRISTÃOS DE UMA ÁREA AFRICANA

Um dos elementos que concorreram para a transculturação, de valores brasileiros em áreas ou entre populações africanas, através de agentes que do Brasil regressaram à África ou ainda aí se transferiam foi o colono português ou o brasileiro branco, proprietário de escravos no Brasil, ao deslocar-se do Basmera a África juntamente com êsses escravos - além de móveis de jacarandá, vasilhas de barro, rêdes do Ceará, balaios e cestas de feitio ameríndio, mudas de plantas, papagaios; ou apenas com idéias ou noções ou métodos, adquiridos na América Portuguêsa, de lidar com escravos, alojá-los em senzalas complementares de casas-grandes, alimentá-los, vesti-los, iniciá-los em capelas particulares ou em oratórios das mesmas casas, mas práticas, e ritos luso-Católicos, fazê-los trabalhar em lavouras tropicais, com objetivos europeus.
Houve vários casos dessa espécie - de transferência às vêzes como que global de colonos estabelecidos no Brasil para a África - entre os quais casos de brasileiros, filhos de portuguêses, e portuguêses casados com brasileiras de famílias antigas e de velhos habitos patriarcais-rurais ou patriarcais-agrários. Alguns dêsses portuguêses e brasileiros transferiram-se na primeira metade do século XIX de Pernambuco para Moçamedes. Aí se encontram em cemitério aristocrático, túmulos de estilo convencionalmente luso-Católico, de vários brasileiros, alguns de famílias fidalgamente rurais; e são vários os descendentes dêles, na população atual de Moçamedes.
Ainda hoje se encontram, também, nas "hortas" ou fazendas pequenas ou médias de descendentes de "brasileiros" naquela parte da Angola fortes traços de influência brasileira, não só sôbre a paisagem ou a vegetação africana - abrasileirada pela presença da mandioca, do tabaco, do cajueiro - como sôbre os estilos luso-africanos de vida, de economia e de comportamento. Inclusive o comportamento de serviçais africanos, alguns dêles continuadores de escravos africanos ou de descendentes de africanos que, ou acompanharam seus senhores na aventura de deixar o Brasil pela África, em face de surtos brasileiros de anti-lusismo; ou foram influenciados pelos métodos brasileiros de assimilação dos escravos a uma terceira cultura, nem européia nem ameríndia, porém luso-brasileira, com possibilidades de generalizar-se fàcilmente naquela cultura geral que venho denominando luso-tropical.
A generalização de cultura luso-brasileira em cultura luso-tropical ocorreu, com alguma freqüência, através de regressos quer involuntários - de escravos que acompanharam senhores do feitio dos que se estabeleceram em Moçamedes, em suas transferências do Brasil para outras áreas de colonização portuguêsa ou européia - quer voluntários: de ex-escravos ou de descendentes de escravos que se deslocaram do Brasil para essas outras áreas, maternalmente africanas, conservando-se, porém, com certo brio étnico-cultural, "brasileiros"; e não se deixando reintegrar de todo nas culturas ou sociedades maternas da África.
A situação dos descendentes dêsses "brasileiros" é assunto não apenas para pequeno ensaio, mas para obra extensa, longa e sistemática, em que se considere e estude o assunto nos seus vários aspectos socioculturais e psicossociais ou psicoculturais. Assunto complexo.
O que se poderá fazer, sob o critério de existir hoje uma cultura luso-tropical, particularmente favorável a subgrupos como os formados por tais "brasileiros" e por luso-indianos na África. São subgrupos que, fora dessa cultura - a luso-tropical - tendem a sentir-se mais ou menos desajustados ou "marginais", embora alguns individuos, membros dêsses subgrupos, tenham se tornado notáveis - mesmo como marginais - em subsistemas anglo-africanos e franco-africanos de cultura, depois de terem estudado - vários dêsses individuos - na própria Europa francesa ou inglêsa. A verdade, porém, é que raramente parecem desprender-se de todo de sua condição de luso-tropicais.
Em viagens de observação pela África, em 1951 e em 1952, procurei surpreender, com particular atenção, nas várias regiões que tive o gôsto de visitar, traços da presença dêsses "brasileiros". Os sinais de influência brasileira na paisagem, na economia, na cultura - cultura no sentido antropológico ou sociológico - de sociedades ou de áreas africanas, nem tôdas elas atualmente sob bandeira portuguêsa são por vezes evidentes.
Surpreendi vários dêsses traços, alargando assim o conhecimento de assunto há tempo entrevisto ou contemplado como tema ideal para uma pesquisa intensa e extensa. Na mesma época - 1951 - versei-o em nota prévia destinada ao grande público e publicada com excelentes fotografias de um companheiro francês de estudos afro-brasileiros, M. Pierre Verger, na revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro: notas que, ampliadas, constam da segunda edição de Problemas Brasileiros de Antropologia. E ainda agora lamento que não me tivesse acompanhado naquela viagem um Pierre Verger ou um Benício Whatley Dias ou um L, Cardoso Ayres, capazes de fixar em fotografias de valor científico para estudos antropológicos ou sociológicos, aspectos dessa transculturação interessantíssima. Ou - sob criterio mais lato - aspectos do à-vontade com que africanos ou descendentes de africanos, tocados no Brasil de influência luso-brasileira ou brasileira - que foi uma influência predominantemente européia e cristã em espaço tropical americano - mas não desafricanizados em motivos essenciais de vida, vêm dando expansão, na África, diretamente ou através de filhos, netos, bisnetos, tetranetos, ao seu estado cultural quase sempre intermediário, mas raras vêzes "marginal" no sentido cru de angustiado ou desprezado pelos grupos dominantes ou pelas culturas puras.
As fotografias que ilustram estas notas, sem serem - a não ser as que me foram gentilmente cedidas pela Agência Geral do Ultramar, de Lisboa, cujo arquivo é opulento - das que poderia nos ter dado, sôbre tema tão sugestivo, a arte-ciência de um Pierre Verger ou de Benício Whatley ou de um L. Cardoso Ayres, valem, entretanto, como primeira documentação fotográfica em tôrno de assunto que suponho estar ainda virgem de pesquisa verdadeiramente antropológica ou sociológica: os túmulos afro-cristãos de Moçamedes e as esculturas e pinturas afro-cristãs afins das que se encontram nesses túmulos, em contraste com as convencionalmente européias dos cemitérios ortodoxamente Católicos. Devo a maioria delas - para documentação desta simples nota prévia - à gentileza do Serviço de Publicidade da Província de Angola, cujo diretor me proporcionou a colaboração de um dos seus mais hábeis fotógrafos. Meus agradecimentos ao mesmo Serviço e ao fotógrafo que pacientemente me acompanhou em dias de sol intenso, em excursões que lhe devem ter parecido estranhas, não só pelas fazendas ou "hortas" como pelos cemitérios de Moçamedes; quer o Católico pròpriamente dito cheio de túmulos de brasileiros do Norte do Império que morreram luso-angolanos e cuja descendência é hoje luso-angolana ou lusitana, e aos quais se deve atribuir considerável importância como transmissores de brasileirismos à paisagem e à população, quer branca, quer de côr, do litoral da Angola - quer o que prefiro denominar "afro-cristão", a chamá-lo simplistamente "indígena", como é costume em certos meios mais requintadamente europeus da Angola. Às fotografias de túmulos dos dois cemitérios, um convencionalmente cristão e convencionalmente europeu em sua arte fúnebre e em sua simbologia do interêsse antropológico e de significado sociológico, outro, misto nessa arte e nessa simbologia, pareceu-me conveniente acrescentar fotografias de esculturas angolanas, quer apologética do Cristianismo, quer, a seu modo um tanto críticas do Cristianismo quando encarnado por puros europeus. São fotografias de esculturas que pude examinar de perto, na Exposição de Arte Sacra Missionária que, em 1951, se realizou em Lisboa, organizada, de modo admirável, pelo Diretor da Agência Geral do Ultramar, Dr. Banha da Silva, às quais estimaria juntar as de esculturas fúnebres, de remota influência cristã, que o diretor do Museu Etnográfico de Dundo, o Sr. José Redinha, vem reunindo nas suas coleções: excelentes coleções que marcam valioso serviço da Companhia dos Diamantes à ciência etnográfica ou antropológica. Aliás duas peças da pequena coleção particular de esculturas africanas que em Apipucos se junta aos meus também poucos objetos de arte ameríndia - poucos porém não de todo vulgares - devo-os à gentileza do etnólogo José Redinha. O Professor Melville J. Herskovits surpreendeu-se tanto de ver no Brasil tais esculturas africanas que as supôs cópias de originais, feitas para turistas ou diletantes.
Sem pretender fixar-me no aspecto pròpriamente histórico da migração interluso-tropical que representou, em 1849 e 1850, a transferência de dois grupos consideráveis de portuguêses e brasileiros, de Pernambuco para a Angola - acêrca do que se encontram, além da documentação esclarecedora incluída no livro de Manuel Júlio de Mendonça Tôrres, O Distrito de Moçamedes nas Fases da Origem e da Primeira Organização (1485-1859), documentos MSS no Arquivo da Câmara Municipal de Moçamedes, por mim examinados [2] - recordarei apenas, apoiado nessa documentação e na que vem sendo recolhida no Brasil pelo Professor J. A. Gonsalves de Melo, ter sido a mesma migração de elementos capazes e saudáveis e animados tão sòmente de sentimentos de repulsa aos exageros do nativismo então dominante entre alguns pernambucanos. Mendonça Tôrres, porém, deixa de ser inteiramente exato a respeito dêles quando afirma [3], terem os "colonos" que no meado do século XIX se transferiram do Norte do então Império brasileiro para a África, tornando em alguns anos Moçamedes "uma imagem viva e doce da Pátria", isto é, de Portugal, "pela introdução de usos e hábitos nacionais". A verdade é que êsses "colonos" introduziram em Moçamedes não apenas usos e costumes do Portugal europeu como do Brasil; e nessa obra de transculturação parecem ter sido auxiliados de modo nada desprezível pelos brasileiros, quer brancos - espôsas, filhos, parentes, etc. - que os acompanharam, quer pelos criados e serviçais. De alguns daqueles colonos sabe-se que se especializaram, como Bernardino de Figueiredo, em cultivar muito brasileiramente, em Moçamedes, algodão e cana de açúcar; e com tal sucesso que amostras de algodão da fazenda e do açúcar do engenho do mesmo Figueiredo figuraram em 1865 na Exposição Internacional do Pôrto. De modo igualmente brasileiro parecem ter se requintado êsse e outros "colonos", idos do Norte do Brasil, em receber com mesa lauta amigos e estranhos em suas casas-grandes de feitio patriarcalmente pernambucano: casas-grandes completadas por senzalas. Daí terem se tornado famosos os banquetes na casa-grande da Fazenda dos Cavaleiros, de propriedade de Figueiredo; e em visita há poucos anos a Moçamedes tive notícia de terem sido essas fazendas centros de irradiação não só da lavoura de algodão e da de açúcar, como de outras lavouras brasileiras, de alimentação e de gôzo; e de costumes e ritos luso-brasileiros de agricultura e de vida rural.
Êste o ambiente que parece ter concorrido para animar em africanos cristãos de Moçamedes o desejo, que realizaram, de ter cemitério próprio. E de edificarem aí túmulos em que se projeta sua situação de subgrupo de cultura intermediária, isto é, já cristã e européia, mas ainda africana e animista. É para essa cultura - para a sua complexidade - que parece ter concorrido o contacto particularmente intenso do mesmo subgrupo de população luso-africana com o Brasil, do qual se transferiram para Moçamedes valores e estilos de convivência ainda hoje visíveis nessa subárea luso-angolana.
Uma das expressões mais dignas de estudo da situação intermediária de cultura - cultura afro-cristã - característica de considerável subgrupo da população de Moçamedes, repita-se que é a que se nota naquele cemitério a um tempo cristão e africano, em cujos túmulos, aos símbolos cristãos se juntam, com valor simbólico ora menos, ora mais evidente, não só desenhos de traço africano como urnas e receptáculos destinados menos a flôres, dentro do ritual cristão de culto aos mortos, que a ofertas de outro gênero - alimento, inclusive - como em rituais fúnebres africanos. Talvez o referido cemitério seja, neste particular, uma das expressões biculturais mais interessantes que hoje se encontram em qualquer parte.
Do ponto de vista artístico, os túmulos afro-cristãos de Moçamedes lembram, de modo nítido, com suas pinturas e esculturas coloridas, seus azues e seus vermelhos vivos, desenhos e pinturas do artista brasileiro Cícero Dias, parecendo essa semelhança favorecer a opinião dos que enxergam influência africana na arte dêsse pintor nascido em casa-grande de Pernambuco e criado sob sugestões e influências de serviçais de côr, continuadores, sob vários aspectos do seu comportamento e da sua cultura, de escravos africanos ou de origem africana, outrora parte essencial das casas-grandes patriarcais de engenho, fazenda e sítio do Brasil. Lembram também pinturas de Lula Cardoso Ayres, da fase em que êsse pintor estêve mais próximo das formas e côres da cerâmica popular do interior agrário de Pernambuco e da representação da figura humana nessa cerâmica por vêzes pintada. A presença de vermelhos e azues, de amarelos e verdes nos túmulos afro-cristãos de Moçamedes, contrasta com a brancura caracteristica dos jazigos do Cemitério europeu e Catolico da mesma cidade, fazendo-nos pensar na revolta do sociologo brasileiro Professor Guerreiro Ramos, numa das paginas do seu "O Negro desde dentro", capitulo de Introdução critica á sociologia brasileira, contra "a brancura como simbolo do excelso" e até do santo ou do sagrado. Concepção que, incluindo a própria ideia ou imagem de Deus - um Deus em branco - é pelo mesmo sociologo associado à concepção do sagrado de povos brancos impostas a gentes de côr. O Cemitério afro-cristão de Moçamedes não prima pela brancura dos seus túmulos mas afasta-se dessa convenção europeia juntando a símbolos de fé cristã côres vivas, nas quais se exprime uma concepção do sagrado diferente da europeia. Diferente da europeia mas não propriamente anti-cristã ou anti-Católica.
É possível que, se aos descendentes cristianizados de escravos africanos tivesse sido dada, no Brasil, a oportunidade de levantar seus próprios túmulos, as formas e côres decorativas e algumas simbólicas e talvez rituais dêsses túmulos rústicos, espontâneos e, a seu modo, barrocos, houvessem se desenvolvido de modo semelhante às dos túmulos do cemitério afro-cristão de Moçamedes. Como é possível que alguns dos túmulos afro-cristãos de Moçamedes acusem influências brasileiras sôbre a população africana daquela área. Influência que houve noutros planos - como, por exemplo, sôbre a arquitetura e a alimentação, quer de brancos, quer de pretos e pardos ou mestiços - e chegou a ser considerável, exercida como foi, não só por portuguêses da Europa e negros da África, que se transfeririam do Brasil para a África, ou a ela regressaram, como por brasileiros nates, alguns de famílias já rural e telúricamente brasileiras, que acompanharam pais, esposos, sogros e outros parentes portuguêses, em sua aventura de transferência total do Brasil para Moçamedes.
Lembram também os túmulos afro-cristãos de Moçamedes pinturas e esculturas populares brasileiras: de zonas do Brasil mais marcadas pela influência africana. Pinturas de baús, ex-votos, tabuletas comerciais, bandeiras de santos, estandartes de clubes de carnaval. Lembram esculturas pintadas, santos e madonas rústicas, esculpidas por santeiros brasileiros. Isto tanto no traço como nas predominâncias de côres.
Note-se, ainda, que as esculturas nos túmulos afro-cristãos de Moçamedes parecem confirmar, sob alguns aspectos, a sugestão de Ladislas Zzecsi, nas suas notas "The Term "Negro Art" is essentially a non-African concept", de que as figuras de escultura negra tidas por arte intencional ou deliberada por alguns intérpretes europeus, não são criadas pelos supostos artistas com outra intenção senão a religiosa. O que o suposto artista deseja é dar abrigo nessas esculturas ao espírito do seu antepassado. Êle esculpe "for the purpose of housing the spirit of his ancestor, who might thus return do guard the members of his family" [4]. (4)
Observa o mesmo autor a constância de formas tribais nos diferentes estilos de arte de escultura entre os negros africanos. Essa constância sobreviveria a outras assimilações: de língua e de costumes.
No caso das esculturas afro-cristãs dos túmulos do cemitério de Moçamedes, motivo principal destas notas à margem dessa e de outras influências brasileira na paisagem, na economia e na cultura de subáreas luso-africanas de Angola, parece exprimir-se aquela constância de formas africanas tribais. Parecem algumas das esculturas naqueles túmulos, simbolizar estilizadamente, espíritos de antepassados, evocados menos em suas semelhanças de fisionomia individual ou mesmo familial que étnica; e menos em traços étnicos que através de insígnias dos seus ofícios e sobretudo - elemento novo, europeu, tanto quanto possível harmonizado com os antigos de sua nova fé ou religião - a de insígnias cristãs, na sua expressão Católica, Apostólica, Romana. Por conseguinte, através de símbolos como a Cruz, o Cristo na cruz, a Madona com o Menino Jesus. Isto, talvez, dentro de já antiga tradição vinda de dias remotos da colonização portuguêsa da África.
Observe-se de algumas das populações da área luso-angolana que, como as populações do Congo, vêm sofrendo em sua cultura - inclusive em sua arte - influência portuguêsa desde o século XVI: antes mesmo dessa influência ter-se tornado luso-brasileira, através dos muitos contactos que se desenvolveram entre a Angola e o Brasil. Em seu "Essay on Styles in the Statuary or the Congo", publicado na Negro Anthology, organizada por Nancy Cunard e publicada em Londres em 1934, é o que destaca o belga Henri Lavachery, dos Reais Museus de Arte e História da Bélgica: que no litoral do Congo Belga e da Angola "a realism of ancient importation continues to be manifest in the heads of sculptured figures" em contraste com "the bodies of the big village charms and famous studded fetiches" que "are all too frequently characterized by the grossest formalism". Êste contraste se encontra de modo menos agudo nas esculturas dos túmulos luso-cristãos de Moçamedes, num dos quais parece confirmar-se outra generalização do observador belga relativa ao enclave português de Cabinda: "certain articles of the 16th century Portuguese attire were still the fashion" até data relativamente recente. Aí, "it was the habit of certain artists, in the absence of the living model, to surround the heads of their figures with coiffures of a most phantastic and decorative art" [5]. Na Angola notam-se arcaísmos de trajo de gala, que acusam influência portuguêsa remota, quer entre viúvas, quer entre pescadores de Luanda, por exemplo; e dêsses arcaísmos de trajo pareceu-me haver traços em certas figuras esculpidas em túmulos afro-cristãos de Moçamedes. É aspecto que pede estudo mais demorado e minucioso.
Os símbolos de trabalho das pessoas falecidas, nos túmulos afro-cristãos de Moçamedes, talvez correspondam ao rito, dominante entre sociedades africanas da África Ocidental, de deverem ser tais pessoas acompanhadas no seu sepultamento de sinais ou insígnias de sua posição. Como observou o Professor K. L. Little da Universidade de Edimburgo, no seu excelente The Mende of Sierra Leone, a west African People in Transition [6], na sociedade por êle estudada em fase de transição, não só "the deseased should be sent on his way with ceremonies appropriate to his earthly rank" mas "he should also cay with him some token of his position". E o Professor Meyer Fortes, em The Web of Kinship among the Tallensi [7], já destacara que entre os Tallensi - "typical of the great congeries of Mole-Dagbanespeaking peoples that occupy the Northern Territories of the Gold Coast" e que constituem "a completly homogenous community of sedentary farmers" - "a person's status is most conspicuously proclaimed at his or her death. . ."
Aqui é que parece ter se integrado de modo sociològicamente interessante a projeção de um rito africano numa arte ritual cristã como é a do túmulo de pedra que, por sua vez, se presta à expressão de uma arte africana a serviço, quase sempre, entre negros africanos, de motivos ou objetivos religiosos e rituais, social ou tribalmente simbólicos: a escultura. A escultura fúnebre às vêzes completada pela pintura que pelas côres avive intenções simbólicas, em vez de serem côres simplesmente decorativas.
Quanto ao fato das urnas junto aos túmulos afro-cristãos de Moçamedes poderem ser utilizadas para outras homenagens ou ofertas à memória ou ao espírito dos mortos, além das flôres - segundo o rito cristão - tal possibilidade se conciliaria com a crença, comum a várias sociedades africanas da África Ocidental, de que tais espíritos retêm, como lembra o já referido sociólogo e antropólogo inglês, Professor Little, "their anthropomorfic character". Mais: "an ancestor's status lasts as long as the dead are remembered. . .". E os túmulos são por algumas dessas sociedades identificados com as casas ou as habitações humanas, de modo semelhante ao que sucede entre cristãos, podendo-se assim verificar, em tôrno dessa crença comum a sociedades predominantemente agrárias e sedentárias nos seus sistemas de economia e nos seus principais motivos de vida, manifestações de zêlo por êsses mesmos túmulos, e em tôrno do que elas simbolizam, também aparentemente comuns; e nas quais se confunda o sentido da homenagem africana - a palavra "homenagem" vai aqui empregada com o sentido antes sugestivo que exatamente descritivo - de caráter ainda animista com a da homenagem cristã de caráter espiritualista. A mesma confusão pode ocorrer entre o culto à Virgem Maria - Mãe de Deus, de Jesus, dos Homens - culto que me pareceu um dos característicos mais cristãos das esculturas do Cemitério Afro-cristão de Moçamedes - e reminiscências, porventura persistentes entre os afro-cristãos dessa subárea, da identificação matrilineal de vivos e mortos com a Mãe: identificação de que fala o Professor Meyer Fortes, noutro dos seus trabalhos de Antropologia social, baseado em pesquisa de campo na África: The Dynamics of Clanship among the Tallonsi [8].
Em indagações realizadas para trabalho de colaboração com o autor destas notas sôbre descendentes de africanos e africanos que regressaram do Brasil à África no tempo da escravidão no Brasil patriarcal, o pesquisador francês Pierre Verger constatou a transformação, entre grupos de "brasileiros" por êle estudados mais de perto, do culto baiano de Nosso Senhor do Bonfim no de Nossa Senhora do Bonfim. No Cemitério afro-cristão de Moçamedes o culto cristão à Mãe de Deus parece ser associado ao culto aos mortos, nas esculturas sôbre seus túmulos, como um pendor para êsse culto que se assemelha, talvez, ao que resultou naquela transformação do culto baiano do Senhor - isto é, do Pai - num culto afro-brasileiro, de origem baiana, da Mãe, sob a figura de Nossa Senhora do Bonfim.
Parece-me que é pela sua confusão de símbolos que o Cemitério afro-cristão de Moçamedes - subárea angolana particularmente tocada (repita-se) por influência brasileira - melhor se apresenta como tema antropológico rico de sugestões. Diante dêsses símbolos assim biculturais, em conciliações ou confusões significativas em mais de um sentido - o estético e o político-social - em tôrno do culto dos mortos, parecem adquirir particular significação as palavras com que, em seu inteligente artigo sôbre "Symbolism", para a Encyclopaedia of Social Sciences [9], Edward Sapir escreveu com a penetração característica da sua inteligência: "It is important to observe that symbolic meanings can often be recognized clearly for the first time when symbolic value, generally inconscious or conscious only in a marginal sense, drops out of a socialized pattern of behavior and of the supposed function. . .".
Nessa situação de símbolos em processo de serem desencarnados dos objetos de suas funções, mas ainda não de todo mortos como formas de etiquêta, é que talvez se encontrem os símbolos africanos de caráter tribal que persistem em associar-se, em túmulos afro-cristãos de Moçamedes, aos puros símbolos cristãos ou Católicos. Neste caso êles se apresentariam como "conscious only in a marginal sense", para usarmos a expressão de Sapir. Sua validade deixaria de corresponder aos motivos religiosos básicos de sua primitiva forma tribal e complexa para apenas anunciarem o status pessoal de maneira inteligível a olhos de africanos ainda impregnados de cultura tribal; ou de suas sobrevivências que, em situações socioculturais como as luso-tropicais, são muitas vêzes sobrevivências permitidas ou toleradas de fato, embora oficial ou teòricamente repudiadas, por autoridades eclesiásticas ou civís mais zelosas da ortodoxia cristã e da uniformidade européia de comportamento: inclusive de etiquêta.
Não é absurdo admitir-se que o estudo minucioso, seja dos ritos fúnebres - inclusive da arte dos túmulos e do culto aos mortos ligado a essa arte - seja de outras formas de etiquêta e de simbologia social entre os afro-cristãos de Moçamedes, venha a revelar a presença, nesses ritos ou forma e na arte daqueles túmulos, de traços de cultura brasileira, adquiridos quer impessoalmente, quer através de pessoas ou de personalidades marcantes de origem ou formação brasileira ou mestiça: afro-brasileira.
O antropólogo Paul Radin, ao estudar ritos fúnebres entre os Winnebago - material que anos depois de recolhido viria a apresentar num livro que ao interêsse científico junta o literário ou poético: The Road to Life and Death. A Ritual Drama of the American Indians [10] - verificou a presença, nos mesmos ritos, de traços de influência cristã indireta. Para o que encontrou evidência semi-histórica em narrativa referente à participação de certo mestiço franco-ameríndio no desenvolvimento do drama ritual dos mesmos Winnebago no sentido do encontro ou da síntese das duas culturas: a Winnebago e a européia cristã. Dessa participação. Radin diz ter correspondido à "need of a new religious and philosophical synthesis" [11], experimentada pelos Winnebago.
Necessidade semelhante parece ter sido experimentada pelos afro-cristãos de Moçamedes: sobretudo os que se encontraram no século XIX em maior contacto com a cultura afro-brasileira mais penetrada pelo Cristianismo ou pelo Catolicísmo. Os túmulos do Cemitério afro-cristão talvez devam ser considerados principalmente isto: resposta, ou tentativa de resposta, sob forma artística, ao que deve ter se extremado entre alguns daqueles elementos afro-cristãos da população de Moçamedes no que Radin chamaria "the poignant needs of a people facing a soul-trying ordeal".
N o t a s
1 Publicado em Lisboa, 1950. [voltar]
2 Segundo cópia extraída do livro MS "Annaes do Município de Mossamedes", de fls. 1 a 3-V, Annos de 1839 a 1849, especialmente para servir de informação ao autor deste ensaio - gentileza que devo ao chefe da Secretaria de Câmara Municipal de Moçamedes, Sr. Artur Trindade - "Mossamedes cuja bahia foi denominada - Angra do Negro - pelos nossos Navegadôres, foi mandada vezitar pelo Capital General d'Angola Barão de Mossamedes, cuja comissão foi incumbida ao Capitão Mór de Benguella que aqui veio com forças por terra, e a este facto deve a sua denominação. Embora a dacta do seu descobrimento seja muito antiga, o princípio de sua povoação dacta de 1939. Neste anno veio de Banguella a Quillengues, e de aqui a Huilla, Jau, e depois a Mossamedes o Tenente de Artilheiria João Francisco Garcia, onde já achou fundeada no porto a Corveta Izabel Maria commandada por Pedro Alexandrino da Cunha Garcia vinha nomeado Regente. Já então existia no local que hoje se chama - Hortas - huma feitoria bem montada pertencente a Jacomo Fellipe Torres, de Benguella, administrada por hum homem de sobrenome Guimarães, que fazia muito negócio, e se achava acreditada com o gentio, o que lhe accarretou tal perseguição que foi prezo na mesma Corveta para Loanda roubando-se-lhe e destruindo a feitoria. Jacomo protestou contra a violencia, e obteve justiça, mas não reparação. Apezar deste accontecimento ainda assim veio em 1840 Clemente Eleutherio Freire montar outra feitoria de sociedade sociedade com D. Anna Ubertal de Loanda, e em 1843 veio pois veio João Antônio de Magalhães estabelecer outra feitoria de sociedade com Augusto Garrido; porem de todas estas feitorias so existe hoje a de Fernanda, por se ter fundado na pesca e dedicado também à cultura. Começou pois esta povoação por hum presidio em que alem da força millitar e degredados se estabelecêrão algumas feitorias, e d'entre alguns de seus administradôres taes como Fernanda e Freire; bem como o Tenente de Marinha A. S. De Souza Soares de Andreas, e Commandante do Brigue "Tejo", e sua guarnição foi que nascerão os primeiros ensaios da Agricultura. A força de vegetação que se conheceo em algumas sementes lançadas à terra, a descripção feita por alguns officiaes de Marinha; e a benignidade do clima fizerão suscitar a idea da colonização deste local por gente não degredada. Os partidos politicos do Brazil, principalmente em Pernambuco, tendo sempre por fim a maior ou menor perseguição aos Portuguezes alli residentes desgostarão estes, e muito concorreo tal perseguição para fornecer a idea de colonizar Mossamedes; as expozições que de Pernambuco se fizerão para o Governo Portuguez sendo acolhidas, este deu providencias para se transportarem colonos Portuguezes do Brazil para Mossamedes. Em Maio de 1849 sahirão o Brigue Douro e a Barca Tentativa Feliz da barra de Pernambuco; e em 4 de Agosto do mesmo ano chegarão a Mossamedes transportando famillias e homens solteiros de todas as classes e idades; sendo todas as despezas feitas à custa do Governo ( Ate aqui seguimos huma memoria fornecida a esta Câmara pelo cidadão Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, a qual por sêr bastante extensa deixamos de transcrever; e continuaremos a approveitar d'ella o que julgar-mos necessário e util. A ditta memoria acha-se archivada n'esta Camara, onde pode ser consultada). Em 13 de Outubro de 1850 huma outra expedição deixava as agoas de Pernambuco a bordo do Brigue Douro, e da Barca Bracharense que se denominou segunda colónia; cujo transporte e despezas forão feitas à custa de huma subscripção Portugueza, e que apezar das notícias a drede espalhadas por meio de carta hidas de Massamedes na "Escuna Maria" que fazião huma descripção miseravel, e infelizmente verdadeira naquella epoca, deste estabelecimento, não deixou de ser numeroza; aportando a Mossamedes a 26 de Novembro do ditto anno. Estes segundos colonos que deixando Pernambuco em hum estado mais calmo do que aquelle em que deixarão os primeiros de seus compatriotas, e que por conseguinte vivião já em melhor tranquilidade vierão achar aquelles em hum estado deploravel, e faltos de animo. Huma esterilidade espantoza motivada pela secca; pessimo sustento composto de má farinha de mandioca, feijão pôdre, etc. Huma nudez quazi completa, e finalmente hum completo exaspêro, a ponto de muitos se julgarem felizes com a praça que se lhe assentava em recompensa de tantas privações! Quinze mezes erão passados, e nesta epoca de esterilidade que poderia fazer-se? Alem da secca, faltavão sementes; o directôr da colonia foi a Loanda levando em sua companhia hum colono (Francisco da Maia Barreto); este foi ao Bengo, e de alli trouxe as primeiras sementes de cana, maniva etc., e pouco antes da chegada destas chegárão algumas sementes ao cidadão Fernando Joze Cardozo Guimarães que forão plantadas (a canna) sob a direcção do colono Joze de Albuquerque na horta daquelle senhôr, e foi d'estas sementes que se crearão viveiros para os annos fucturos. Foi ainda nesta epoca de verdadeira calamidade que chegárão mais colonos do Rio de Janeiro, e Bahia, dos quais ficárão mui poucos por falta de recursos; entre os desta ultima cidade alguns vinhão que trazião capitaes e querião ficar para negociar, o que não seria pequena vantagem; infelizmente fôrão disso despersuadidos. A este facto, e ao de terem-se escripto d'aqui pessimas noticias para o Brazil se deve o não terem continuado a aportar aqui colonos vindos à sua custa; - mas como virião elles se para alli se escrevia dizendo-o clima é pessimo - he um lugar de degredados onde sômos tractados como taes ( e em parte havia razão para o dizer) - he peor que na Ilha de Fernando de Noronha - não nos deixão de aqui sahir sem completar 10 annos - e outras muitas couzas? Dizemos que em parte tinhão razão por que a mortandade foi espantoza nos primeiros dois annos: Colono houve que foi 10 e 15 vezes ao Hospital em hum anno, donde sahia como entrava por falta de tratamento! Como não seria grande a mortandade se pessoas que habituadas a hum tratamento regular vivião agora a meia ração, e esta muitas vezes damnificada? Se hum lugar pouco salubre como o Bumbo em quanto que a chuva cahia a jorros se achavão miseros infelizes debaixo de alguns ramos aquentando-se a huma fogueira sem roupa para cobrir-se, por que muitos a deixarão no Estabelecimento por falta de conductôres quando para alli fôrão; tendo tido huma penosa viagem a pé por caminhos quazi intranzitaveis sem poder suportar o calôr de huma areia quazi ardente? Examine-se um pequeno numero de artistas e outras pessoas, que puderão sustentar-se com hum alimento mais saudável, e que não passarão essas privações, e vêr-se la que não tiverão até hoje huma baixa ao Hospital, e alguns dos quaes no decurso de seis annos não sofrêrão ainda huma intermittente; e examine-se tambem essas pessoas que aqui chegão do Reino ou do Brazil, e que não soffrem essas privações; veja-se a sua robustez, e conhecer-se ha esta verdade. Foi em consequência dessas privações que alguns colonos fugirão da Huilla, e que hum melhor futuro fez volver ou trazer a Mossamedes, porque desde o momento que os colonos podérão sustentar-se à sua custa, desaparecêrão essas molestias, e Mossamedes de hoje (1870?) he hum Paraizo comparada ao de 1850. Se nos demorarmos em mencionar este facto he porque julgamos de interesse e seu conhecimento no fucturo; he porque sômos Portuguezes, e desejamos que se saiba no Brasil, em Portugal, e se possivel fôr em todo o mundo, que o clima de Mossamedes he melhór do que o de toda a Africa; superior ao de todo o Brazil; superiôr ao de muitos lugares de Portugal, e quazi igual ao melhor e mais temperado deste ultimo paiz; e desejamos emfim que se desvaneção esses restos de receio de vir aqui habitar; porque só assim e com hum governo poderemos prosperar; e para prova do que acabamos de dizer deste clima salutar examine-se ainda essas crianças nascidas e creadas aqui; a sua robustez, e sobre tudo essa côr purpurina de suas faces, huma grande parte das quaes vive continuamente exposta aos raios abrazadôres do sol!".
Segundo cópia extraída do livro "ANNAES DO MUNICIPIO DE MOSSAMEDES", DE FLS. 41 E 41-V, ANNOS de 1839 A 1856, é o seguinte o "REZUMO DOS FOGOS, POPULAÇÃO, E PREDIOS URBANOS, CONCLUIDOS E EM CONSTRUCÇÃO NA VILLA, E ARREBALDES, ATE AO FIM DO ANNO DE 1856", isto é, sete anos depois da chegada à África dos primeiros "brasileiros";
FOGOS
Na Villa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
No local das Hortas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Na Bôa Esperança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Na Bôa Vista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
Nos Cavalleiros e Macalla. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Total 85

POPULAÇÃO LIVRE
Sexo masculino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Ditto femenino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .108
Total 272

POPULAÇÃO ESCRAVA
Sexo masculino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .475
Ditto femenino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .157
Total 632
54 Libertos do dois sexos.

PRÉDIOS CONCLUIDOS
Na Villa
De pedra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .36
De adobe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 8
De pau a pique. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Cubatas de palha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10 76
Nas Hortas e Aguada
De adobe.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Cubatas de palha e pau a pique.. . . . . . . . . . . . . . . . . .. 4 10
Na Boa Esperança
De adobe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 20
De pau a pique. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 27
Boa Vista
De adobe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . - 2
Nos Cavalleiros e Macalla
De pedra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
De adobe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 2 3

PRÉDIOS EM CONSTRUÇÃO
Na Villa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12
Nas Hortas... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
Na Boa Esperança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 19
Engenhos
Nos Cavalleiros (montado). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1

Ao que se deve acrescentar o seguinte "REZUMO DOS PRODUCTOS AGRICOLAS DURANTE O ANNO DE 1856":
Assucar 178 As Vendeu-se de 7.200 a 9.000 Rs. a. a.
Algodão 1.672 As. Regulou 600 reis por a. em carôço
Aguardente 41 ½ pipas Em todo o Districto

Aboboras 400 Somente de hum arimo
Batatas 5.405 As. Pode avaliar-se em mais um têrço
Bananas 400 cachos Somente de um arimo
Cará 4.247 As. Pode avaliar-se em mais um têrço
;Canna sacha 14 milheiros Regulou 20$ reis o milheiro
Farª de mandioca 8:170 Cazungueis. Pode avaliar-se em mais um têrço
Feijão 128 Dittos
Milho 813 Dittos
Azeite de carrapata Peqª quantidade
Hortaliças - grande quantidade"

E, ainda, êste, de "PRODUCTOS DE INDUSTRIA":
"Carne secca 612 as. Só em um estabelecimento e até agosto
Couros de boi 112 Só em um estabelecimento e até agosto
Peixe secco 12.600 Mattetes - Maior quantidade
Azeite de cação 206 pipas Ditto. . .ditto
Tijollo. . . . . . . . . 21 milheiros
Cal. . . . . . . . . . . . . 56 moiosAdobe. . . . . . . . . . 60 milheiros"

"Também êstes informes, que foram extraídos de livros MSS, hoje do arquivo da Câmara Municipal, devemo-los à gentileza do chefe da Secretaria da mesma Câmara, Sr. Artur Trindade".
São vários os amigos portuguêses do Oriente e da África a quem devo agradecimentos pelo modo por que me facilitaram a colheita de documentos e fotografias sôbre êste e outros assuntos luso-tropicais, afins do versado neste pequeno ensaio.
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3 Manuel Júlio Mendonça Torres - O Distrito de Moçamedes nas fases da Origem e da Primeira Organização, (1485 - 1859), Lisboa 1950, pag. 511 [voltar]
4 Negro Anthology, organizada por Nancy Cunard, Londres 1934, pag. 679. [voltar]
5 Negro Anthology, cit., pag. 688. [voltar]
6Londres, 1951, Pag. 137. [voltar]
7 Londres, Nova Iorque e Toronto, 1949, pag. 55. [voltar]

Fonte: FREYRE. Gilberto. Em tôrno de alguns túmulos afro-cristãos. Salvador: Livraria Progresso; Editora e Universidade da Bahia, [1959]. 88p. il. (Coleção de estudos brasileiros. Série Marajoara, n.26).